Em grande parte, no decorrer do itinerário do pensamento filosófico ocidental a
metafísica fora considerada ciência — em termos aristotélicos, a supra ciência, superior e
antecedente a todos os demais saberes. Não obstante, no seio do período Iluminista, Immanuel
Kant põe em xeque a autoridade e tradição da filosofia primeira, sendo um passo significativo
rumo ao “fim” definitivo da metafísica estabelecido pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche.
A fim de esclarecer os impasses existentes acerca do debate que perpassa o século XVIII até a
contemporaneidade sobre a filosofia primeira suas ilusões e limites, nos ateremos sobre o
assunto especificamente em três pensadores: Francis Bacon, Immanuel Kant e Karl Popper.
O Novum Organum (2014) de Francis Bacon é uma crítica a obra Órganon de
Aristóteles, em que o autor do início da era moderna buscou reivindicar a concepção de
Aristóteles no campo da ciência. Na concepção de Bacon os limites da metafisica se dá na
incapacidade das investigações incertas e os fracos argumentos que se assentam. Sua crítica ao
método aristotélico decorre do método de conhecer a natureza que Aristóteles estabelece em
sua obra. Por certo, é visível que um dos obstáculos para a metafisica, segundo Bacon, é a
incapacidade de garantir o processo da ciência, de demonstrar benefícios válidos e
significativos ao conhecimento científico. O método indutivo aristotélico na perspectiva de
Bacon é considerado um procedimento por muitas vezes marcado por falhas que impedia
compreender as coisas do mundo fenomênico em razão de seus fracos argumentos que se
constituíam por meio de uma visão ontológica dualista de mundo sensível e suprassensível,
que através da concepção da racionalidade pura dificultava o enfrentamento do problema sobre
o que é de fato cognoscível, ou seja, a capacidade de conhecer a realidade, pois, de acordo com
o filósofo: “O homem, ministro e intérprete da natureza, faz e entende tanto quanto constata,
pela observação dos fatos ou pelo trabalho da mente, sobre a ordem da natureza; não sabe nem
pode mais” (BACON, 2014).
"Que haja, finalmente, dois métodos, um destinado ao cultivo das ciências e outro
destinado à descoberta científica. Aos que preferem o primeiro caminho, seja por
impaciência, por injunções da vida civil, seja pela insegurança de suas mentes em
compreender e abarcar a outra via (este será, de longe, o caso da maior parte dos
homens), a eles auguramos sejam bem-sucedidos no que escolheram e consigam
alcançar aquilo que buscam. Mas aqueles dentre os mortais, mais animados e
interessados, não no uso presente das descobertas já feitas, mas em ir mais além; que
estejam preocupados, não com a vitória sobre os adversários por meio de argumentos,
mas na vitória sobre a natureza, pela ação; não em emitir opiniões elegantes e
prováveis, mas em conhecer a verdade de forma clara e manifesta; esses, como
verdadeiros filhos da ciência, que se juntem a nós, para, deixando para trás os
vestíbulos das ciências, por tantos palmilhados sem resultado, penetrarmos em seus
recônditos domínios." (BACON, Prefácio, 2014)
Bacon não renúncia o uso do intelecto, ao contrário, é a racionalidade em conjunto com
a experimentação que auxilia o indivíduo para o conhecimento, justamente pelo fato de “nem
a mão nua nem o intelecto, deixados a si mesmos, logram muito” (BACON, 2014). Surge aí,
uma nova maneira no processo de conhecimento, de acordo com o pensador inglês, o homem
tem a capacidade de conhecer os fenômenos, mas que só seria possível através de uma
investigação e observação da realidade concreta, para que procedendo deste modo, possa
favorecer as descobertas no âmbito das ciências naturais.
Apesar da influência de Aristóteles, Bacon irá utilizar um método indutivo como o
método de conhecimento da natureza, mas que vem através das manifestações na
experimentação, partindo de concepções particulares para tentar alcançar uma regra geral. A
relação do entendimento baconiano para a metafisica clássica é que esta é a forma mais
fantasiosa de compreender os desempenhos das ciências. Já que a metafisica aristotélica se
ocupava com as causas da realidade em um todo, Bacon, em contrapartida, faz uma reflexão
sobre a própria filosofia primeira, na qual afirma que ela não tem uma utilidade prática, todavia,
para fundamentar sua reflexão traz argumentos decisivos para resultados fundamentados na
experiência ou objetividade. Portanto, a experiência seria a validação dos resultados de uma
investigação científica, ou seja, como critério da verdade. Com efeito, Bacon não se detém aos
elementos ou bases metafisicas, pelo fato de considerar ser algo não prático para a utilização
da racionalidade, por conseguinte, resolve buscar fundamentos lógicos e mais objetivos para a
ciência, pois a própria ciência pode ter alguns limites, dos quais é necessário escapar, pois se
contaminados pela ânsia da verdade indubitável, o processo do conhecimento terá um resultado
diferente da conclusão verdadeiramente objetiva. Sua crítica à metafisica em análise, possibilita
a valorização dos conceitos elaborados e dos limites do conhecimento racional, no ponto de
partida da reflexão filosófica, científica e experimental.
Kant, inquieto quanto ao otimismo da razão e seu dogmatismo instauradas pelos
metafísicos, vai reforçar seu parecer exposto em sua obra predecessora no seu livro
Prolegômenos a Toda Metafísica Futura (1988). A intenção da obra, de acordo com o expoente
da Ilustração, é uma recomendação e alerta aos futuros docentes para que não incorram o risco
de utilizar sua racionalidade em especulações ideais e fúteis reflexões, para tanto, o pensador
vai justificar os fundamentos que tiram a metafísica de seu brilhantismo intelectual. De
antemão, Kant já nos primeiros parágrafos de seu escrito evidencia a inconsistência e os
devaneios das especulações que se fundamentam além da física, dando ênfase ao fato que,
ironicamente, a ciência que diz possuir a verdade nunca obteve uma proposição consensual
entre os pensadores, e ao contrário de progredir como outras áreas do conhecimento, corre atrás
do vento com sua sabedoria e vanglória.
Posteriormente, Kant faz menção ao filósofo britânico David Hume para explicitar um
dos enganos que as investigações metafísicas induzem. O pensador escocês utilizando-se de
um conceito metafísico de causa e efeito, diferentemente dos intelectuais metafísicos,
demonstrou de modo axiomático que é inconcebível que a razão possua algum tipo de
conhecimento anterior a experiência. Hume considerava que todo o conhecimento é uma
relação assimilativa resultado da percepção sensível, por conseguinte, a razão, incapaz de
compreender sobre a conexão que há neste vínculo, se perde nas ilusões imaginativas e
determina como conhecimento absoluto o que é apenas uma necessidade subjetiva,
consequentemente:
"Daí tirava a conclusão: a razão não tinha a capacidade de pensar tais conexões,
mesmo só em geral, porque então os seus conceitos seriam simples ficções e todos os
seus conhecimentos pretensamente a priori não eram senão experiências comuns
falsamente estampilhadas, o que equivale a dizer que não há, nem pode haver
metafísica." (KANT, 1988, p.14-15)
Após ter contato com o pensamento humiano, Kant desperta das divagações dogmáticas
da metafísica e toma um caminho distinto em suas investigações filosóficas. Deixando de lado
os conceitos puramente especulativos, o filósofo prussiano começa a estabelecer sua crítica
quanto aos devaneios de muitos pensadores que, limitados somente a loquacidade,
demonstram-se incapazes de manifestar suas ideias empiricamente sem recorrer a seus
“oráculos” e ao senso comum, Kant seguindo uma direção oposta, estabelece sua crítica como
meio para obtenção de um conhecimento científico sem escorar-se enganosamente em vãs
expectativas, “pois, a Crítica deve, enquanto ciência, formar um todo sistemático e acabado
nas suas menores partes, antes de se pensar em fazer aparecer uma metafísica ou mesmo de
acerca dela se ter uma longínqua esperança.” (KANT, 1988)
Como fica evidente, Kant rejeita as reflexões puramente contemplativas, prezando para
um conhecimento válido a investigação empírica dos fenômenos, ou seja, a ciência para o
filósofo iluminista se dá através do conteúdo adquirido pela experiência sensível e sua devida
justificação, portanto, pela epistemologia. De acordo com o pensador, a experiência é fonte do
conhecimento que traz consigo um consenso entre os indivíduos por prevalecer o juízo
sintético, enquanto a base do saber metafísico, como seus conceitos são a priori, são
inconcebíveis empiricamente, o que não serve de base para a experiência externa, tal como a
interna. Além do mais, Kant manifesta que se a filosofia primeira fosse de fato científica:
"[...] poder-se-ia dizer: aqui está a metafísica, deveis apenas aprendê-la e ela
convencer-vos-á irresistível e invariavelmente da sua verdade: esta questão seria
então ociosa e apenas restaria a seguinte, a que diria respeito mais a uma prova da
nossa perspicácia do que à demonstração da existência da própria coisa, a saber, como
ela é possível e como a razão aí procura chegar. Mas, neste caso, a razão humana não
foi bem-sucedida." (KANT, 1988, p.31)
Desde o iluminismo, os anos consecutivos foram inaptos para dar uma conclusão
consistente sobre o papel da ciência, a metafísica seus enganos e limites. Karl Popper, tido
como o principal representante da filosofia da ciência no século XX, em seu livro A Lógica da
Pesquisa Científica (2008) irá estabelecer os métodos pelas quais um conhecimento pode ser
considerado precisamente válido. Popper não foca em específico nas questões da metafísica e
sua falseabilidade tal como Kant se propôs a fazer em seus Prolegômenos, no entanto, é
perceptível nas entrelinhas de sua obra os motivos determinantes que a área do saber que
ultrapassa o domínio físico não é digna de se afirmar como ciência.
De acordo com seu pensamento, o indivíduo que se dispõe a fazer ciência, seja teórica
ou empírica, dever-se-ia elaborar uma proposição ou uma síntese de proposições e analisar
minuciosamente enunciado por enunciado, elaborar hipóteses ou teoremas e colocá-los sobre
o crivo técnico da experimentação com os meios que a tecnologia permite. Portanto, a lógica
do conhecimento é, para o filósofo epígono dos ideais do Círculo de Viena, “proporcionar uma
análise lógica desse procedimento, ou seja, analisar o método das ciências empíricas”
(POPPER, 2008). Logo, uma vez que a ciência exige que seus enunciados sejam válidos
experimentalmente, a metafísica que se pauta visando a obtenção de um conhecimento certo
verdadeiramente indubitável, — fazendo um paralelo com Kant, não progride e seu saber gira
envolta de seu círculo vicioso da injustificabilidade — não transpõe o critério de demarcação
elaborado pelo pensador austríaco, que se propõe um procedimento para que a ciência chegue
a um consenso ou convenção.
"Contudo, só reconhecerei um sistema como empírico ou científico se ele for passível
de comprovação pela experiência. Essas considerações sugerem que deve ser tomado
como critério de demarcação, não a verificabilidade, mas a falsidade de um sistema.
Em outras palavras, não exigirei que um sistema científico seja suscetível de ser dado
como válido, de uma vez por todas, em sentido positivo; exigirei, porém, que sua
forma lógica seja tal que se torne possível validá-lo através de recurso a provas
empíricas, em sentido negativo: deve ser possível refutar, pela experiência, um
sistema científico empírico." (POPPER, 2008, p. 42)
Contudo, mesmo Popper tecendo críticas ao modelo positivista de ciência, o filósofo
concorda com neo-positivistas quando estes afirmam que o saber científico não é puramente
conceitual, mas sim, um conjunto de enunciados que possam ser válidos através da experiência
e de seu critério de demarcação. Desse modo, os conceitos dogmáticos metafísicos tornam-se
expressões fictícias e restritas à pura tagarelice “sem sentido” ou “absurdas” por não
corresponderem aos preceitos da lógica do conhecimento, visto que o objetivo desta é o saber
processual específico da empiria, dito de outra maneira, o caminho que o conhecimento
percorre através da experiência atendendo os critérios lógicos da linha de demarcação
científica.
Como mencionado anteriormente, o debate levantado desde Kant não fora ainda
solucionado. A metafísica mesmo diante de inúmeras críticas desde então, utilizando termos
heiddegerianos, é a montanha que ainda não foi atravessada; no entanto, esta área do
conhecimento foi separada do conhecimento científico graças sua insustentabilidade
demonstrada no decorrer do trabalho em questão. A metafísica, não é mais tida como a filosofia
primeira, mas é apenas a uma tentativa impositiva de um saber dogmático ilusório que supõe
uma verdade que jamais foi e será alcançada. Em suma, mesmo que as especulações além da
física não foram ainda superadas, esta constitui hoje um exercício proativo da linguagem e da
racionalidade que é limitado apenas por afirmações eloquentes sem fundamento válido e vãs
sabedorias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BACON, Francis. Novum Organum. Editora Grupo Acropólis, 2014.
KANT, Immanuel. Prolegômenos a Toda Metafísica Futura. Lisboa: Editora Edições 70,
1988.
POPPER, Karl R. A Lógica da Pesquisa Científica. 16. Ed. São Paulo: Editora Pensamento
Cultrix, 2008