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Os Limites da Filosofia Primeira como Ciência e os Enganos da Metafísica

     Em grande parte, no decorrer do itinerário do pensamento filosófico ocidental a metafísica fora considerada ciência — em termos aristotélicos, a supra ciência, superior e antecedente a todos os demais saberes. Não obstante, no seio do período Iluminista, Immanuel Kant põe em xeque a autoridade e tradição da filosofia primeira, sendo um passo significativo rumo ao “fim” definitivo da metafísica estabelecido pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche. A fim de esclarecer os impasses existentes acerca do debate que perpassa o século XVIII até a contemporaneidade sobre a filosofia primeira suas ilusões e limites, nos ateremos sobre o assunto especificamente em três pensadores: Francis Bacon, Immanuel Kant e Karl Popper. 

    O Novum Organum (2014) de Francis Bacon é uma crítica a obra Órganon de Aristóteles, em que o autor do início da era moderna buscou reivindicar a concepção de Aristóteles no campo da ciência. Na concepção de Bacon os limites da metafisica se dá na incapacidade das investigações incertas e os fracos argumentos que se assentam. Sua crítica ao método aristotélico decorre do método de conhecer a natureza que Aristóteles estabelece em sua obra. Por certo, é visível que um dos obstáculos para a metafisica, segundo Bacon, é a incapacidade de garantir o processo da ciência, de demonstrar benefícios válidos e significativos ao conhecimento científico. O método indutivo aristotélico na perspectiva de Bacon é considerado um procedimento por muitas vezes marcado por falhas que impedia compreender as coisas do mundo fenomênico em razão de seus fracos argumentos que se constituíam por meio de uma visão ontológica dualista de mundo sensível e suprassensível, que através da concepção da racionalidade pura dificultava o enfrentamento do problema sobre o que é de fato cognoscível, ou seja, a capacidade de conhecer a realidade, pois, de acordo com o filósofo: “O homem, ministro e intérprete da natureza, faz e entende tanto quanto constata, pela observação dos fatos ou pelo trabalho da mente, sobre a ordem da natureza; não sabe nem pode mais” (BACON, 2014). 


"Que haja, finalmente, dois métodos, um destinado ao cultivo das ciências e outro destinado à descoberta científica. Aos que preferem o primeiro caminho, seja por impaciência, por injunções da vida civil, seja pela insegurança de suas mentes em compreender e abarcar a outra via (este será, de longe, o caso da maior parte dos homens), a eles auguramos sejam bem-sucedidos no que escolheram e consigam alcançar aquilo que buscam. Mas aqueles dentre os mortais, mais animados e interessados, não no uso presente das descobertas já feitas, mas em ir mais além; que estejam preocupados, não com a vitória sobre os adversários por meio de argumentos, mas na vitória sobre a natureza, pela ação; não em emitir opiniões elegantes e prováveis, mas em conhecer a verdade de forma clara e manifesta; esses, como verdadeiros filhos da ciência, que se juntem a nós, para, deixando para trás os vestíbulos das ciências, por tantos palmilhados sem resultado, penetrarmos em seus recônditos domínios." (BACON, Prefácio, 2014)


    Bacon não renúncia o uso do intelecto, ao contrário, é a racionalidade em conjunto com a experimentação que auxilia o indivíduo para o conhecimento, justamente pelo fato de “nem a mão nua nem o intelecto, deixados a si mesmos, logram muito” (BACON, 2014). Surge aí, uma nova maneira no processo de conhecimento, de acordo com o pensador inglês, o homem tem a capacidade de conhecer os fenômenos, mas que só seria possível através de uma investigação e observação da realidade concreta, para que procedendo deste modo, possa favorecer as descobertas no âmbito das ciências naturais. 

    Apesar da influência de Aristóteles, Bacon irá utilizar um método indutivo como o método de conhecimento da natureza, mas que vem através das manifestações na experimentação, partindo de concepções particulares para tentar alcançar uma regra geral. A relação do entendimento baconiano para a metafisica clássica é que esta é a forma mais fantasiosa de compreender os desempenhos das ciências. Já que a metafisica aristotélica se ocupava com as causas da realidade em um todo, Bacon, em contrapartida, faz uma reflexão sobre a própria filosofia primeira, na qual afirma que ela não tem uma utilidade prática, todavia, para fundamentar sua reflexão traz argumentos decisivos para resultados fundamentados na experiência ou objetividade. Portanto, a experiência seria a validação dos resultados de uma investigação científica, ou seja, como critério da verdade. Com efeito, Bacon não se detém aos elementos ou bases metafisicas, pelo fato de considerar ser algo não prático para a utilização da racionalidade, por conseguinte, resolve buscar fundamentos lógicos e mais objetivos para a ciência, pois a própria ciência pode ter alguns limites, dos quais é necessário escapar, pois se contaminados pela ânsia da verdade indubitável, o processo do conhecimento terá um resultado diferente da conclusão verdadeiramente objetiva. Sua crítica à metafisica em análise, possibilita a valorização dos conceitos elaborados e dos limites do conhecimento racional, no ponto de partida da reflexão filosófica, científica e experimental. 

    Kant, inquieto quanto ao otimismo da razão e seu dogmatismo instauradas pelos metafísicos, vai reforçar seu parecer exposto em sua obra predecessora no seu livro Prolegômenos a Toda Metafísica Futura (1988). A intenção da obra, de acordo com o expoente da Ilustração, é uma recomendação e alerta aos futuros docentes para que não incorram o risco de utilizar sua racionalidade em especulações ideais e fúteis reflexões, para tanto, o pensador vai justificar os fundamentos que tiram a metafísica de seu brilhantismo intelectual. De antemão, Kant já nos primeiros parágrafos de seu escrito evidencia a inconsistência e os devaneios das especulações que se fundamentam além da física, dando ênfase ao fato que, ironicamente, a ciência que diz possuir a verdade nunca obteve uma proposição consensual entre os pensadores, e ao contrário de progredir como outras áreas do conhecimento, corre atrás do vento com sua sabedoria e vanglória. 

    Posteriormente, Kant faz menção ao filósofo britânico David Hume para explicitar um dos enganos que as investigações metafísicas induzem. O pensador escocês utilizando-se de um conceito metafísico de causa e efeito, diferentemente dos intelectuais metafísicos, demonstrou de modo axiomático que é inconcebível que a razão possua algum tipo de conhecimento anterior a experiência. Hume considerava que todo o conhecimento é uma relação assimilativa resultado da percepção sensível, por conseguinte, a razão, incapaz de compreender sobre a conexão que há neste vínculo, se perde nas ilusões imaginativas e determina como conhecimento absoluto o que é apenas uma necessidade subjetiva, consequentemente:


"Daí tirava a conclusão: a razão não tinha a capacidade de pensar tais conexões, mesmo só em geral, porque então os seus conceitos seriam simples ficções e todos os seus conhecimentos pretensamente a priori não eram senão experiências comuns falsamente estampilhadas, o que equivale a dizer que não há, nem pode haver metafísica." (KANT, 1988, p.14-15)


    Após ter contato com o pensamento humiano, Kant desperta das divagações dogmáticas da metafísica e toma um caminho distinto em suas investigações filosóficas. Deixando de lado os conceitos puramente especulativos, o filósofo prussiano começa a estabelecer sua crítica quanto aos devaneios de muitos pensadores que, limitados somente a loquacidade, demonstram-se incapazes de manifestar suas ideias empiricamente sem recorrer a seus “oráculos” e ao senso comum, Kant seguindo uma direção oposta, estabelece sua crítica como meio para obtenção de um conhecimento científico sem escorar-se enganosamente em vãs expectativas, “pois, a Crítica deve, enquanto ciência, formar um todo sistemático e acabado nas suas menores partes, antes de se pensar em fazer aparecer uma metafísica ou mesmo de acerca dela se ter uma longínqua esperança.” (KANT, 1988) 

    Como fica evidente, Kant rejeita as reflexões puramente contemplativas, prezando para um conhecimento válido a investigação empírica dos fenômenos, ou seja, a ciência para o filósofo iluminista se dá através do conteúdo adquirido pela experiência sensível e sua devida justificação, portanto, pela epistemologia. De acordo com o pensador, a experiência é fonte do conhecimento que traz consigo um consenso entre os indivíduos por prevalecer o juízo sintético, enquanto a base do saber metafísico, como seus conceitos são a priori, são inconcebíveis empiricamente, o que não serve de base para a experiência externa, tal como a interna. Além do mais, Kant manifesta que se a filosofia primeira fosse de fato científica: 


"[...] poder-se-ia dizer: aqui está a metafísica, deveis apenas aprendê-la e ela convencer-vos-á irresistível e invariavelmente da sua verdade: esta questão seria então ociosa e apenas restaria a seguinte, a que diria respeito mais a uma prova da nossa perspicácia do que à demonstração da existência da própria coisa, a saber, como ela é possível e como a razão aí procura chegar. Mas, neste caso, a razão humana não foi bem-sucedida." (KANT, 1988, p.31) 


    Desde o iluminismo, os anos consecutivos foram inaptos para dar uma conclusão consistente sobre o papel da ciência, a metafísica seus enganos e limites. Karl Popper, tido como o principal representante da filosofia da ciência no século XX, em seu livro A Lógica da Pesquisa Científica (2008) irá estabelecer os métodos pelas quais um conhecimento pode ser considerado precisamente válido. Popper não foca em específico nas questões da metafísica e sua falseabilidade tal como Kant se propôs a fazer em seus Prolegômenos, no entanto, é perceptível nas entrelinhas de sua obra os motivos determinantes que a área do saber que ultrapassa o domínio físico não é digna de se afirmar como ciência. 

    De acordo com seu pensamento, o indivíduo que se dispõe a fazer ciência, seja teórica ou empírica, dever-se-ia elaborar uma proposição ou uma síntese de proposições e analisar minuciosamente enunciado por enunciado, elaborar hipóteses ou teoremas e colocá-los sobre o crivo técnico da experimentação com os meios que a tecnologia permite. Portanto, a lógica do conhecimento é, para o filósofo epígono dos ideais do Círculo de Viena, “proporcionar uma análise lógica desse procedimento, ou seja, analisar o método das ciências empíricas” (POPPER, 2008). Logo, uma vez que a ciência exige que seus enunciados sejam válidos experimentalmente, a metafísica que se pauta visando a obtenção de um conhecimento certo verdadeiramente indubitável, — fazendo um paralelo com Kant, não progride e seu saber gira envolta de seu círculo vicioso da injustificabilidade — não transpõe o critério de demarcação elaborado pelo pensador austríaco, que se propõe um procedimento para que a ciência chegue a um consenso ou convenção. 


"Contudo, só reconhecerei um sistema como empírico ou científico se ele for passível de comprovação pela experiência. Essas considerações sugerem que deve ser tomado como critério de demarcação, não a verificabilidade, mas a falsidade de um sistema. Em outras palavras, não exigirei que um sistema científico seja suscetível de ser dado como válido, de uma vez por todas, em sentido positivo; exigirei, porém, que sua forma lógica seja tal que se torne possível validá-lo através de recurso a provas empíricas, em sentido negativo: deve ser possível refutar, pela experiência, um sistema científico empírico." (POPPER, 2008, p. 42) 


    Contudo, mesmo Popper tecendo críticas ao modelo positivista de ciência, o filósofo concorda com neo-positivistas quando estes afirmam que o saber científico não é puramente conceitual, mas sim, um conjunto de enunciados que possam ser válidos através da experiência e de seu critério de demarcação. Desse modo, os conceitos dogmáticos metafísicos tornam-se expressões fictícias e restritas à pura tagarelice “sem sentido” ou “absurdas” por não corresponderem aos preceitos da lógica do conhecimento, visto que o objetivo desta é o saber processual específico da empiria, dito de outra maneira, o caminho que o conhecimento percorre através da experiência atendendo os critérios lógicos da linha de demarcação científica. 

    Como mencionado anteriormente, o debate levantado desde Kant não fora ainda solucionado. A metafísica mesmo diante de inúmeras críticas desde então, utilizando termos heiddegerianos, é a montanha que ainda não foi atravessada; no entanto, esta área do conhecimento foi separada do conhecimento científico graças sua insustentabilidade demonstrada no decorrer do trabalho em questão. A metafísica, não é mais tida como a filosofia primeira, mas é apenas a uma tentativa impositiva de um saber dogmático ilusório que supõe uma verdade que jamais foi e será alcançada. Em suma, mesmo que as especulações além da física não foram ainda superadas, esta constitui hoje um exercício proativo da linguagem e da racionalidade que é limitado apenas por afirmações eloquentes sem fundamento válido e vãs sabedorias. 





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BACON, Francis. Novum Organum. Editora Grupo Acropólis, 2014. 

KANT, Immanuel. Prolegômenos a Toda Metafísica Futura. Lisboa: Editora Edições 70, 1988.

POPPER, Karl R. A Lógica da Pesquisa Científica. 16. Ed. São Paulo: Editora Pensamento Cultrix, 2008

A Relação entre Ciência e Matéria em Aristóteles

Aristóteles, insatisfeito com a explicação de seu mestre, Platão, acerca da participação das coisas materiais em relação as formas suprassensíveis, dedicou algumas considerações sobre o seu método em seu livro Física I-II, nesta obra buscou desenvolver seus estudos sobre as questões das causas últimas e um novo tipo de saber acerca da natureza. Tendo como objeto de estudo o “ser”, buscava compreender tudo o que existe e todas as formas de manifestações específicas do ser. 

Nesse sentido, difere fundamentalmente das explicações sobre a investigação científica de sua época. A sua discussão acerca dos princípios e das causas abordará uma relação de como as coisas são, como elas se organizam além da existência material do mundo. Dessa forma, refletirá sobre a função das ciências na investigação dos princípios, as causas e natureza do ser. 

De forma sistemática Aristóteles irá buscar traçar um ponto de partida de toda investigação, que é a apreensão do conhecimento, no qual é dado pelo mais cognoscível a nós, ou seja, o conhecimento deve partir da manifestação de algo fenomênico, aquilo que nos aparece, assim, percorrendo ao que é mais cognoscível por natureza, esse procedimento de investigação constitui de forma constante chegar até que o objeto seja “conhecido por si mesmo”, isto é, por sua própria natureza, sua essência. Desse modo: 

[192b 8] entre os entes, uns são por natureza, outros são por outras causas; por natureza são os animais e suas partes, bem como as plantas e os corpos simples, isto é, terra, fogo, ar e água (de fato, dizemos que essas e tais coisas são por natureza), e todos eles se manifestam diferentes em comparação com os que não se constituem por natureza, pois cada um deles tem em si mesmo princípio de movimento e repouso, [...] pois a natureza é certo princípio ou causa pela qual aquilo em que primeiramente se encontra se move ou repousa em si mesmo e não por concomitância; 
[192b 32] Natureza é isso que foi dito; por sua vez, tem natureza tudo quanto tem tal princípio. Todas essas coisas são substância, pois são um subjacente, e a natureza sempre reside num subjacente. São “conforme à natureza” tais coisas e tudo que lhes pertence devido a elas mesmas — por exemplo, para o fogo, locomover-se para o alto: de fato, isso não é natureza, nem tem natureza, mas é por natureza e conforme à natureza. 

Nesse sentido, para seguir o método de investigação proposto pelo filósofo estagirita, é preciso ter o conhecimento estrito do objeto em exame, que inclui compreender suas causas, em outras palavras, é preciso passar das noções vagas e mutáveis do próprio ser e tentar compreender o que é mais essencial, dessa forma, esse processo passa pela discussão das opiniões (dóxa), ou seja, crenças, para alcançar um conhecimento epistêmico, verdadeiro ou até mesmo definições absolutas e imutáveis. 

[184a 10] Dado que, em todos os estudos nos quais há princípios (ou causas, ou elementos), sabemos (isto é, conhecemos cientificamente) quando reconhecemos estes últimos (pois julgamos compreender cada coisa quando reconhecemos suas causas primeiras e seus primeiros princípios, bem como seus elementos), evidentemente devemos, de início, tentar delimitar também o que concerne aos princípios da ciência da natureza. 
[184a 16] Tal percurso naturalmente vai desde o mais cognoscível e mais claro para nós em direção ao mais claro e mais cognoscível por natureza, pois são as mesmas coisas que são cognoscíveis para nós e cognoscíveis sem mais. Por isso, é necessário, desse modo, proceder das coisas que, apesar de serem menos claras por natureza, são mais claras para nós, em direção às mais claras e mais cognoscíveis por natureza.
 
A noção de natureza em Aristóteles implica basicamente na noção das causas materiais e formais, no qual ele sustentará sua seguinte afirmação: “Todas as coisas particulares da natureza têm sua forma e são compostas de matéria”. Por conseguinte, diante dessa observação minuciosa da natureza, dentro de uma perspectiva hilemorfista, que, segundo Aristóteles, vai dizer que ser seres corpóreos são compostos por matéria (pura potencialidade), ou seja, a matéria de uma cama, por exemplo, pode ser madeira, no qual a matéria é um princípio indeterminado do ser, porém esta tem a possibilidade de se moldar em qualquer forma, está em constante movimento e os seres corpóreos são constituído de forma, ou seja, é aquilo que faz o ente ser o que é, no qual a forma é princípio determinado do ser em ato. Nessa perspectiva aristotélica, podemos dizer a forma é imaterial e é o que determina o modo de ser da matéria, ou seja, a substância seria o constituinte metafísico que compõe as coisas fenomênicas, as formas e as características específicas de cada coisa. A natureza do ser corresponde as condições de devir e permanência, tudo o que existe faz uma passagem de potência em ato, a realidade muda, por isso, todas as coisas naturais são atos, isto é, a própria existência do ser e potência, ou seja, o que pode vir a ser, desse modo, sendo a matéria sempre é a mesma, o que muda é a forma e os acidentais. Elas estão sempre unidas, quando a matéria é concebida, ela já possui forma. Contrariamente, ela sem forma não pode ser concebida por meio da sensibilidade, porque ainda não é. A partir daí que, uma vez que a própria matéria está contida de forma, a realidade empírica, se tornará para Aristóteles um campo de estudo. 

[193a 28] Assim, de certa maneira, denomina-se natureza a primeira matéria que subjaz a cada um dos que possuem em si mesmos princípio de movimento ou mudança; mas, de outra maneira, denomina-se natureza a configuração e a forma segundo a definição. De fato, assim como se denomina “técnica” aquilo que é conforme à técnica e que é artificial, do mesmo modo também se de nomina “natureza” aquilo que é natural e conforme à natureza. Naquele caso, quando algo é cama apenas em potência, mas ainda não tem a forma da cama, ainda não dizemos que se tem conforme à técnica, nem que há técnica, tampouco no caso dos que se constituem por natureza: a carne ou o osso em potência não têm ainda sua natureza própria, nem são por natureza, antes de assumir a forma, a que é conforme o enunciado pelo qual dizemos, ao defini-los, o que é a carne ou o osso. 
[193b 3] Por conseguinte, de outra maneira, a natureza dos que possuem em si mesmos princípio de movimento é a configuração e a forma, que não é separável a não ser em definição (o composto de ambos, por sua vez, não é natureza, mas sim por natureza — por exemplo, homem). 
[193b 6] E esta — a forma — é natureza mais do que a matéria, pois cada coisa encontra sua denominação quando é efetivamente, mais do que quando é em potência. 
[193b 8] Além disso, um homem provém de um homem, mas uma cama não provém de uma cama: por isso, dizem que sua natureza não é a figura, mas a madeira, porque, se algo brotasse, surgiria não uma cama, mas madeira. Mas, então, se isso é técnica, também a forma é natureza, pois é de homem que provém um homem. 
[193b 12] Além disso, a natureza tomada como vir a ser é processo em direção à natureza. 

A ciência aristotélica começa pela observação da realidade por nossos sentidos, isto é, o conhecimento deve se a partir da realidade sensível, na constatação dos seres concretos, visando atingir a sua essência. Ao observar a matéria e as formas, o indivíduo pesquisador irá compreender que o inteligível está nas próprias coisas e pode ser conhecido através princípios e causas cognoscíveis. Portanto, o inteligível e o sensível existem unidos nas coisas. Desse modo, o discípulo de Platão estabelece condições seguras para admissão de um pensamento, de uma investigação como ciência.
 
Aristóteles vai deixando para atrás o racionalismo de seu mestre ateniense, estabelecendo noções acerca da realidade empírica. É diante da investigação cientifica metódica da natureza, que o conhecimento obtido pelo intelecto vem mediante das observações das examinadas. O filósofo, diferentemente do fundador da Academia de Atenas, salientou que nada existiria no intelecto que não tivesse sido antes experimentado pelos sentidos. É nesse processo indutivo que realizará a passagem do conhecimento desde os particulares aos universais. Nessa tarefa de investigar cientificamente o estudioso (embora os princípios de cada investigação sejam específicos de cada ser), ele é impelido a buscar conhecer em sentido mais preciso, propiciando conhecimentos seguros que irá garantir o estabelecimento de um saber essencial do objeto em investigação. A ciência aristotélica, especificamente em suas definições é indutiva, no que é dado pela fonte de conhecimento (a experiência) partindo de uma observação fiel da natureza e em direção ao conhecimento de suas causas e princípios. Por uma análise dos aspectos formais da ciência, na busca de discernir as partes implícitas investiga os diversos sentidos e traços dos processos indutivos. 

Por fim, cabe à física aristotélica a tarefa de delimitar princípios que podem ser conhecidos. Antes de ser uma disciplina científica, a Física de Aristóteles demonstra que por meio de uma análise minuciosa e racional, proporciona condições de conhecimento das ciências da natureza. Assim, no decorrer de sua obra nada mais indica senão a pluralidade de aspectos pelos quais podemos descrever o conhecimento científico: trata-se, portanto de um conhecimento capaz de explicar o porquê, por conhecer causas, princípios ou elementos.




A Relação Entre Ciência e Realidade em Platão

Para Platão, não há ciência sem o uso da dialética. A ascensão dialética é a base de seu dualismo e de seu entendimento sobre o que é o conhecimento científico. O filósofo, influenciado pelos pensadores eleatas, identificara uma clara distinção entre o permanente e o transitório, afirmando a superioridade do primeiro em relação ao segundo. De acordo com seu dualismo, Platão concebida o mundo fenomênico como uma cópia imperfeita do mundo suprassensível, e uma vez que os objetos materiais estão sujeitos ao devir, por si só não possui nenhum valor científico. No entanto, a realidade sensível, ao contrário de ser meramente desprezada, possuía um grau de valor a partir do momento que esta leva o indivíduo a transformar a materialidade em conceitos e noções. 


O filósofo ateniense nos seus diálogos, em especial na República, no Fédon e no O Sofista, vai discorrer com seus interlocutores como de fato pode se fazer ciência. Para compreender o que Platão concebe como ciência, é imprescindível ter o entendimento de como ocorre a ascensão dialética e a divisão que o mesmo faz sobre a realidade empírica e inteligível. O fundador da primeira Academia grega acreditava ser essencial constatar a superioridade às Ideias sobre os objetos sensíveis justamente pelo fato que a sensibilidade está em constante mudança, enquanto as Ideias, habitantes do mundo suprassensível, permaneceriam imutáveis e, portanto, esta deveria ser o objeto de uma investigação segura, sem estar correndo o risco que deixar cair-se no engano ocasionado pelas sensações. 


Estrangeiro — Então, quem for capaz de distinguir uma idéia única numa multidão de idéias independentes, ou um sem-número de idéias diferentes entre si, porém abrangidas por outra mais ampla, e, de novo, uma idéia apenas que se estende por muitas outras e todas elas ligadas a uma unidade, e também muitas inteiramente isoladas ou separadas: eis o que se chama a arte de distinguir os gêneros, conforme a capacidade de se combinarem ou de não combinarem. 
Teeteto — Perfeitamente. 
Estrangeiro — Porém tenho certeza de que não atribuirás essa capacidade dialética senão a quem souber filosofar com pureza e justiça. 
Teeteto — Como atribuí-la a mais alguém? 
Estrangeiro — O filósofo, se bem o procurarmos, só nesta região é que poderemos encontrá-lo, agora e no futuro, conquanto não seja fácil distingui-lo. O sofista também; mas no seu caso a dificuldade é de outra espécie. 


A alegoria da caverna, retratada na República, representa as etapas do processo dialético rumo ao conhecimento verdadeiro. Como já foi dito, Platão distingue dois tipos de saberes, o sensível e o inteligível, que se subdividem: 

• As sombras: Aparência sensível dos objetos;

• As marionetes: Representação própria dos objetos empíricos; 

• O muro: O limiar que separa os dois tipos de conhecimento; 

• O exterior da caverna: A realidade das ideas; 

• O sol: Suprema ideia do bem. 


Platão, através da narrativa do mito da caverna, demonstra que as coisas do mundo sensível são apenas ilusões, e que para contemplar as Ideias só é possível através da reflexão, do raciocínio, do pensamento. Em suma, Platão demonstra a passagem do conhecimento meramente opinativo (dóxa) para o conhecimento científico (epistéme) que só seria alcançado mediante a dialética que engloba tanto o saber matemático quanto o filosófico. Tendo em vista que o conhecimento científico só é alcançado através da dialética, o filósofo clássico, é persistente em suas críticas ao modelo educacional sofístico que, de acordo com seu pensamento, corrompia toda a sociedade grega, dado que os sofistas ensinavam sem o compromisso com a verdade, baseados apenas na mera opinião, possuíam a capacidade de lecionar a respeito de tudo (desde que recebessem uma remuneração financeira proporcional ao assunto que pregavam saber.).


Estrangeiro — [...] Destaquemos, então, da arte de se parar a de purificar; da de purificar, a parte que se relaciona com a alma; desta a do ensino, e da do ensino a arte da educação. Na arte da educação, conforme já vimos de relance, a refutação das vãs ostentações de sabedoria nada mais é do que a sofística de nobre nascimento. 


Os filósofos, diferentemente de meros oradores persuasivos, ao ascender dialeticamente, contemplavam a essência de todo o conhecimento, a verdade absoluta. Desse modo, através da ótica dualista platônica, o ensino tem como objetivo buscar e revelar a unidade na multiplicidade no interior da argumentação esforçando-se racionalmente, exigindo critérios argumentativos fidedignos rumo ao conhecimento verdadeiro, sem o intuito de convencer o interlocutor de determinado ponto de vista, mas que ambos, o orador e o ouvinte, possam juntos contemplar as Ideias. 


Os sofistas visavam apenas a polêmica, a remuneração financeira, e a persuasão dos ouvintes, levando até as últimas consequências o domínio da linguagem. Estes utilizavam o conhecimento apenas com fim de ganhar algo em troca, sem o menor interesse em informar os ouvintes, de maneira que convenciam seus interlocutores através de um discurso encantador sem zelar propriamente com o conteúdo no interior da exposição. Platão, em seu diálogo O Sofista, designará o modo no qual é possível perceber quando o orador tem o compromisso com a verdade ou não: 


Estrangeiro — Porém da arte com base no salário, a modalidade que se manifesta nas conversas, com o simples fito de agradar, e que só usa o prazer como isca, sem nada mais exigir para sua subsistência, acho que todos nós concordaríamos em qualificá-la como aduladora ou simplesmente arte recreativa.
Teeteto — Sem dúvida nenhuma. 
Estrangeiro — E a modalidade que promete ensinar a virtude por meio da conversação e que se faz pagar em espécie, não merecerá, como gênero à parte, denominação especial? 
Teeteto — Como não!
Estrangeiro — E que nome há de ser? Não te disporás a achá-lo? 
Teeteto — E muito fácil. Acho que encontramos o sofista. Designando-o desse modo, penso atribuir-lhe o nome mais acertado. 


Devido à adulação que os sofistas utilizavam em seus discursos, estes não se comprometiam com a ética envolta da retórica e comunicavam somente ilusões, enquanto a verdadeira retórica, a dialética que ascendia ao mundo suprassensível, contemplava o sumo-bem, o conhecimento científico de todas as manifestações existentes na realidade fenomênica, permitindo, desse modo, que a parte racional do ser ordene a alma. Isto, com efeito, só poderia ser alcançado pelo filósofo rompendo com os laços que o prendem a sensibilidade, enquanto os sofistas, presos “nas trevas do não-ser”, jamais conseguiriam conhecer a unidade essencial que envolve a realidade. Como Platão, demonstra no diálogo entre o Estrangeiro e Teeteto, o conhecimento científico é uno: 


Estrangeiro — O conhecimento, também, é uno, porém são separadas as partes relacionadas com determinados objetos e recebem denominações específicas. Daí haver tanta variedade de artes e de conhecimentos. 
Teeteto — Perfeitamente. 
Estrangeiro — O mesmo se passa com a natureza do outro, conquanto, seja apenas uma. 


Resumidamente, para Platão a ciência é a dialética, e o filósofo sendo dialético é cientista a partir do momento que investiga a natureza das coisas acessando-as por meio da intelecção pura.




RESUMO DE PSICOLOGIA SOCIAL: CONFORMIDADE E OBEDIÊNCIA

  1. Duas formas em que ocorre a conformidade segundo David G. Myers: A conformidade manifesta-se de inúmeras maneiras. David G. Myers, no...