A construção é parte da civilização humana, talvez, seu aspecto mais significativo. Escapando tão somente a exterioridade de suas manifestações, como é o conteúdo aparente na música em análise do Chico Buarque. Em sua etimologia latina, construir provém de construire designando o edificar, levantar. O homem constrói a realidade em seu entorno: edificando sistemas abstratos tanto filosóficos quanto artísticos; levantando monumentos arquitetônicos e manifestando a grandeza em sua complexidade sociocultural do ser humano no decorrer da história. Construir é próprio do ser humano em sua capacidade de transformar a natureza.
Refletida por Heidegger em Ser e Tempo, a existência é construída visto que a sua condição finita no mundo, intrínseca a sua essência, constitui parte de uma dimensão ontológica do ser humano: a realidade, sua existência não lhe são dadas de antemão em um plano imutável, mas estão por serem edificadas movidas pela tensão contraditória entre existir e não-existir. A despeito da existência humana não lhe ser dada em todas suas dimensões, o Ser, que se manifesta no Dasein, é histórico, isto é, o homem é lançado no mundo em determinados contextos que forjam a significação existencial que lhe buscada para lidar com a angústia da própria temporalidade finita. A consciência da própria morte impulsiona a dispor de uma autenticidade do viver, ou, na terminologia de Espinosa, faz que o homem exista em ato. Essa autenticidade da existência, para Heidegger, é construída. O pensamento é uma construção, e pensar é construir.
Não apenas a existência e a própria construção é debatida nos círculos filosóficos, Chico Buarque elabora uma música na qual retrata a condição de um operário que perpassa os dias de sua existência de modo automático sob uma condição inautêntica de viver. Sob uma proposta hermenêutica diferente, Chico com seu Dasein, em um período histórico formado pelas condições precárias do trabalhador, em plena ditadura militar, concebe a alienação tanto do construtor civil quanto das pessoas que consideram belo e sublime a condição automatizada da exploração da mão de obra proletária.
Inautenticidade, nos termos de Heidegger, é a palavra-chave para caracterizar a condição retratada na música. Viver autenticamente é existir se lançando para o futuro, buscando através das condições históricas o sentido de uma vida plena de significado, fazendo de seus atos expressões do Ser que se manifesta no mundo. Ora, um operário que vive por meio de condições que impedem a capacidade de reflexão de pensar, ou seja, construir, transcorre sua existência sem que encontre uma autenticidade própria do seu ser-no-mundo. A própria existência, a autenticidade que é essencial para a realização do ser humano, se torna objeto nas condições de trabalho capitalista: o homem, na concepção de alienação exposta no O Capital de Marx, transforma-se na própria mercadoria que produz. Segue-se que, sendo a autenticidade inerentemente humana, e o homem feito mercadoria pela condição alienante do trabalho, resplandece em cada ato automatizado do homem-máquina a inautenticidade do seu viver.

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