Espinosa no início do Tratado da Correção do Intelecto estabelece, por experiência própria, que o saber que ocorre no dia a dia é fútil e falso, não contendo nenhum bem ou mal exceto quando o indivíduo se deixa afetar pelos saberes usuais da cotidianidade. Insatisfeito tanto ao conhecimento vulgar e incerto quanto à possibilidade um conhecimento de fato seguro, o pensador decide procurar algum saber que proporcione um ânimo tal que mantivesse o conatus elevado e contínuo.
A primeira constatação que o filósofo faz em sua busca pelo saber seguro é a tríplice circunstância que permeia a vida da maioria dos homens, a saber, as riquezas, as honras e a concupiscência. Estas últimas distraem a mente do indivíduo de tal maneira que ofusca a percepção e a busca do sumo bem, carecendo da felicidade contínua que, buscada nesses bens é fadada ao fracasso; longe de serem males que são irremediáveis há, portanto, uma redenção: É estritamente necessária uma mudança de vida contumaz afim de alcançar um bem supremo, certo e estável.
Após delimitar os males que permeiam a existência da maior parte dos homens, Espinosa vai discorrer sobre seu entendimento acerca do bem verdadeiro. Para o filósofo, há algo que é perfeito, em uma ordem imutável, que escapa ao conhecimento da natureza humana em decorrência de sua falta de firmeza, todavia, incitado pela perfeição que consta na infinita Natureza, o indivíduo caminho rumo ao sumo bem, que tem seu fim em compartilhar com os demais homens o deleite dessa natureza. O conhecimento seguro, portanto, consiste “da união que a mente tem com toda a Natureza” (ESPINOSA, 1983). O prazer contínuo que mantém o conatus em paixões alegres, “fazer com que muitos outros entendam o mesmo que eu, a fim de que o intelecto deles e seu apetite convenham totalmente com o meu intelecto e o meu apetite.” (ESPINOSA, 1983).
Não obstante, em primeiro lugar é preciso examinar a si no modo de curar o intelecto e regenerá-lo de modo que não haja falhas na busca pela suma perfeição humana que há de ser adquirida com toda amplitude do ser — motivo tal que, para Espinosa, a ciência que não leva ao aperfeiçoamento do sujeito é vã e fútil. Ademais, é indispensável conhecer a finco Natureza para um reflexo semelhante no indivíduo, assim como se dedicar ao estudo do saber moral, ao processo educativo dos meninos, à medicina e, pôr fim à ciência do movimento. Apesar dos processos mencionados, Espinosa reconhece que a vida não se reduz tão somente a correção do intelecto, de sorte que é inevitável conduzir a existência com boas regras de conduta com o intuito de não fugir do propósito estabelecido na obra em estudo. O filósofo holandês vai elencar ao menos três para o auxílio do leitor, a saber:
II. Dos prazeres somente gozar quanto basta para a consecução da saúde.
III. Por último, procurar o dinheiro ou outra coisa qualquer só enquanto chega para o sustento da vida e da saúde, imitando os costumes da sociedade que não se opõem a nosso fim." (ESPINOSA, 1983)
Posteriormente, Espinosa irá elencar os meios de percepção dos indivíduos a fim de escolher o mais eficiente para conhecer a si próprio, a natureza e para aperfeiçoá-lo visando o melhor para a emenda do intelecto. A percepção superior é a que compreende os fenômenos por sua essência ou pela causa próxima de seu efeito, em outras palavras, a ideia verdadeira é por si inteligível, podendo ser objeto da essência formal angariada de uma essência objetiva distinta, de modo que, podendo ser objeto indefinitivamente, Espinosa, contrariamente à Descartes, estabelece um limite para a razão. Esta última percepção só é possível por meio de uma escalada epistemológica, por meio da correção proposta pelo sistema espinosista, entre outras percepções, elas são respectivamente:
A primeira delas e mais inferior, é da opinião, da tradição e dos costumes adquiridos ao longo da existência sem nenhuma base sólida que lhe dê autoridade de um saber seguro; a segunda é denominada como experiência vaga, consistindo em saberes dedutivos por mediante a observação do mundo, por exemplo, a ciência da própria finitude é adquirida pela contestação que outros homens faleceram, e assim se estendendo a quase todos os conhecimentos observáveis adquiridos ao decorrer da vida; a terceira é obtida pela capacidade abstrativa do homem, responsável por gerar conclusões obscuras sem uma noção clara do fato abstraído pela razão que organiza as percepções que envolvem a realidade, tal como o discernimento que o indivíduo possui uma união entre corpo e alma; o último gênero epistemológico, como dito anteriormente, é superior aos demais, razão pela qual é fundamental sua correção afim de que faça um juízo claro acerca de seu conhecimento, isto é, a essência de todas as coisas imanentes a realidade que é a própria Natureza delas.
Em suma, Espinosa diferentemente de outros racionalistas contemporâneos de sua época, preza pelo valor imanente e ético do conhecimento. A verdade está no mundo, não fora dele, cabe o intelecto, portanto, ser corrigido através de uma postura ética-moral para alcançar a quid que permeia a realidade visando o esclarecimento não apenas de si, mas também de outros indivíduos para que possam gozar juntos do sumo bem. O fim último da razão e da correção do intelecto é o saber compartilhado “de uma coisa eterna e infinita alimenta a alma de pura alegria, sem qualquer tristeza, o que se deve desejar bastante e procurar com todas as forças.” (ESPINOSA, 1983)

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