Os Limites da Filosofia Primeira como Ciência e os Enganos da Metafísica

     Em grande parte, no decorrer do itinerário do pensamento filosófico ocidental a metafísica fora considerada ciência — em termos aristotélicos, a supra ciência, superior e antecedente a todos os demais saberes. Não obstante, no seio do período Iluminista, Immanuel Kant põe em xeque a autoridade e tradição da filosofia primeira, sendo um passo significativo rumo ao “fim” definitivo da metafísica estabelecido pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche. A fim de esclarecer os impasses existentes acerca do debate que perpassa o século XVIII até a contemporaneidade sobre a filosofia primeira suas ilusões e limites, nos ateremos sobre o assunto especificamente em três pensadores: Francis Bacon, Immanuel Kant e Karl Popper. 

    O Novum Organum (2014) de Francis Bacon é uma crítica a obra Órganon de Aristóteles, em que o autor do início da era moderna buscou reivindicar a concepção de Aristóteles no campo da ciência. Na concepção de Bacon os limites da metafisica se dá na incapacidade das investigações incertas e os fracos argumentos que se assentam. Sua crítica ao método aristotélico decorre do método de conhecer a natureza que Aristóteles estabelece em sua obra. Por certo, é visível que um dos obstáculos para a metafisica, segundo Bacon, é a incapacidade de garantir o processo da ciência, de demonstrar benefícios válidos e significativos ao conhecimento científico. O método indutivo aristotélico na perspectiva de Bacon é considerado um procedimento por muitas vezes marcado por falhas que impedia compreender as coisas do mundo fenomênico em razão de seus fracos argumentos que se constituíam por meio de uma visão ontológica dualista de mundo sensível e suprassensível, que através da concepção da racionalidade pura dificultava o enfrentamento do problema sobre o que é de fato cognoscível, ou seja, a capacidade de conhecer a realidade, pois, de acordo com o filósofo: “O homem, ministro e intérprete da natureza, faz e entende tanto quanto constata, pela observação dos fatos ou pelo trabalho da mente, sobre a ordem da natureza; não sabe nem pode mais” (BACON, 2014). 


"Que haja, finalmente, dois métodos, um destinado ao cultivo das ciências e outro destinado à descoberta científica. Aos que preferem o primeiro caminho, seja por impaciência, por injunções da vida civil, seja pela insegurança de suas mentes em compreender e abarcar a outra via (este será, de longe, o caso da maior parte dos homens), a eles auguramos sejam bem-sucedidos no que escolheram e consigam alcançar aquilo que buscam. Mas aqueles dentre os mortais, mais animados e interessados, não no uso presente das descobertas já feitas, mas em ir mais além; que estejam preocupados, não com a vitória sobre os adversários por meio de argumentos, mas na vitória sobre a natureza, pela ação; não em emitir opiniões elegantes e prováveis, mas em conhecer a verdade de forma clara e manifesta; esses, como verdadeiros filhos da ciência, que se juntem a nós, para, deixando para trás os vestíbulos das ciências, por tantos palmilhados sem resultado, penetrarmos em seus recônditos domínios." (BACON, Prefácio, 2014)


    Bacon não renúncia o uso do intelecto, ao contrário, é a racionalidade em conjunto com a experimentação que auxilia o indivíduo para o conhecimento, justamente pelo fato de “nem a mão nua nem o intelecto, deixados a si mesmos, logram muito” (BACON, 2014). Surge aí, uma nova maneira no processo de conhecimento, de acordo com o pensador inglês, o homem tem a capacidade de conhecer os fenômenos, mas que só seria possível através de uma investigação e observação da realidade concreta, para que procedendo deste modo, possa favorecer as descobertas no âmbito das ciências naturais. 

    Apesar da influência de Aristóteles, Bacon irá utilizar um método indutivo como o método de conhecimento da natureza, mas que vem através das manifestações na experimentação, partindo de concepções particulares para tentar alcançar uma regra geral. A relação do entendimento baconiano para a metafisica clássica é que esta é a forma mais fantasiosa de compreender os desempenhos das ciências. Já que a metafisica aristotélica se ocupava com as causas da realidade em um todo, Bacon, em contrapartida, faz uma reflexão sobre a própria filosofia primeira, na qual afirma que ela não tem uma utilidade prática, todavia, para fundamentar sua reflexão traz argumentos decisivos para resultados fundamentados na experiência ou objetividade. Portanto, a experiência seria a validação dos resultados de uma investigação científica, ou seja, como critério da verdade. Com efeito, Bacon não se detém aos elementos ou bases metafisicas, pelo fato de considerar ser algo não prático para a utilização da racionalidade, por conseguinte, resolve buscar fundamentos lógicos e mais objetivos para a ciência, pois a própria ciência pode ter alguns limites, dos quais é necessário escapar, pois se contaminados pela ânsia da verdade indubitável, o processo do conhecimento terá um resultado diferente da conclusão verdadeiramente objetiva. Sua crítica à metafisica em análise, possibilita a valorização dos conceitos elaborados e dos limites do conhecimento racional, no ponto de partida da reflexão filosófica, científica e experimental. 

    Kant, inquieto quanto ao otimismo da razão e seu dogmatismo instauradas pelos metafísicos, vai reforçar seu parecer exposto em sua obra predecessora no seu livro Prolegômenos a Toda Metafísica Futura (1988). A intenção da obra, de acordo com o expoente da Ilustração, é uma recomendação e alerta aos futuros docentes para que não incorram o risco de utilizar sua racionalidade em especulações ideais e fúteis reflexões, para tanto, o pensador vai justificar os fundamentos que tiram a metafísica de seu brilhantismo intelectual. De antemão, Kant já nos primeiros parágrafos de seu escrito evidencia a inconsistência e os devaneios das especulações que se fundamentam além da física, dando ênfase ao fato que, ironicamente, a ciência que diz possuir a verdade nunca obteve uma proposição consensual entre os pensadores, e ao contrário de progredir como outras áreas do conhecimento, corre atrás do vento com sua sabedoria e vanglória. 

    Posteriormente, Kant faz menção ao filósofo britânico David Hume para explicitar um dos enganos que as investigações metafísicas induzem. O pensador escocês utilizando-se de um conceito metafísico de causa e efeito, diferentemente dos intelectuais metafísicos, demonstrou de modo axiomático que é inconcebível que a razão possua algum tipo de conhecimento anterior a experiência. Hume considerava que todo o conhecimento é uma relação assimilativa resultado da percepção sensível, por conseguinte, a razão, incapaz de compreender sobre a conexão que há neste vínculo, se perde nas ilusões imaginativas e determina como conhecimento absoluto o que é apenas uma necessidade subjetiva, consequentemente:


"Daí tirava a conclusão: a razão não tinha a capacidade de pensar tais conexões, mesmo só em geral, porque então os seus conceitos seriam simples ficções e todos os seus conhecimentos pretensamente a priori não eram senão experiências comuns falsamente estampilhadas, o que equivale a dizer que não há, nem pode haver metafísica." (KANT, 1988, p.14-15)


    Após ter contato com o pensamento humiano, Kant desperta das divagações dogmáticas da metafísica e toma um caminho distinto em suas investigações filosóficas. Deixando de lado os conceitos puramente especulativos, o filósofo prussiano começa a estabelecer sua crítica quanto aos devaneios de muitos pensadores que, limitados somente a loquacidade, demonstram-se incapazes de manifestar suas ideias empiricamente sem recorrer a seus “oráculos” e ao senso comum, Kant seguindo uma direção oposta, estabelece sua crítica como meio para obtenção de um conhecimento científico sem escorar-se enganosamente em vãs expectativas, “pois, a Crítica deve, enquanto ciência, formar um todo sistemático e acabado nas suas menores partes, antes de se pensar em fazer aparecer uma metafísica ou mesmo de acerca dela se ter uma longínqua esperança.” (KANT, 1988) 

    Como fica evidente, Kant rejeita as reflexões puramente contemplativas, prezando para um conhecimento válido a investigação empírica dos fenômenos, ou seja, a ciência para o filósofo iluminista se dá através do conteúdo adquirido pela experiência sensível e sua devida justificação, portanto, pela epistemologia. De acordo com o pensador, a experiência é fonte do conhecimento que traz consigo um consenso entre os indivíduos por prevalecer o juízo sintético, enquanto a base do saber metafísico, como seus conceitos são a priori, são inconcebíveis empiricamente, o que não serve de base para a experiência externa, tal como a interna. Além do mais, Kant manifesta que se a filosofia primeira fosse de fato científica: 


"[...] poder-se-ia dizer: aqui está a metafísica, deveis apenas aprendê-la e ela convencer-vos-á irresistível e invariavelmente da sua verdade: esta questão seria então ociosa e apenas restaria a seguinte, a que diria respeito mais a uma prova da nossa perspicácia do que à demonstração da existência da própria coisa, a saber, como ela é possível e como a razão aí procura chegar. Mas, neste caso, a razão humana não foi bem-sucedida." (KANT, 1988, p.31) 


    Desde o iluminismo, os anos consecutivos foram inaptos para dar uma conclusão consistente sobre o papel da ciência, a metafísica seus enganos e limites. Karl Popper, tido como o principal representante da filosofia da ciência no século XX, em seu livro A Lógica da Pesquisa Científica (2008) irá estabelecer os métodos pelas quais um conhecimento pode ser considerado precisamente válido. Popper não foca em específico nas questões da metafísica e sua falseabilidade tal como Kant se propôs a fazer em seus Prolegômenos, no entanto, é perceptível nas entrelinhas de sua obra os motivos determinantes que a área do saber que ultrapassa o domínio físico não é digna de se afirmar como ciência. 

    De acordo com seu pensamento, o indivíduo que se dispõe a fazer ciência, seja teórica ou empírica, dever-se-ia elaborar uma proposição ou uma síntese de proposições e analisar minuciosamente enunciado por enunciado, elaborar hipóteses ou teoremas e colocá-los sobre o crivo técnico da experimentação com os meios que a tecnologia permite. Portanto, a lógica do conhecimento é, para o filósofo epígono dos ideais do Círculo de Viena, “proporcionar uma análise lógica desse procedimento, ou seja, analisar o método das ciências empíricas” (POPPER, 2008). Logo, uma vez que a ciência exige que seus enunciados sejam válidos experimentalmente, a metafísica que se pauta visando a obtenção de um conhecimento certo verdadeiramente indubitável, — fazendo um paralelo com Kant, não progride e seu saber gira envolta de seu círculo vicioso da injustificabilidade — não transpõe o critério de demarcação elaborado pelo pensador austríaco, que se propõe um procedimento para que a ciência chegue a um consenso ou convenção. 


"Contudo, só reconhecerei um sistema como empírico ou científico se ele for passível de comprovação pela experiência. Essas considerações sugerem que deve ser tomado como critério de demarcação, não a verificabilidade, mas a falsidade de um sistema. Em outras palavras, não exigirei que um sistema científico seja suscetível de ser dado como válido, de uma vez por todas, em sentido positivo; exigirei, porém, que sua forma lógica seja tal que se torne possível validá-lo através de recurso a provas empíricas, em sentido negativo: deve ser possível refutar, pela experiência, um sistema científico empírico." (POPPER, 2008, p. 42) 


    Contudo, mesmo Popper tecendo críticas ao modelo positivista de ciência, o filósofo concorda com neo-positivistas quando estes afirmam que o saber científico não é puramente conceitual, mas sim, um conjunto de enunciados que possam ser válidos através da experiência e de seu critério de demarcação. Desse modo, os conceitos dogmáticos metafísicos tornam-se expressões fictícias e restritas à pura tagarelice “sem sentido” ou “absurdas” por não corresponderem aos preceitos da lógica do conhecimento, visto que o objetivo desta é o saber processual específico da empiria, dito de outra maneira, o caminho que o conhecimento percorre através da experiência atendendo os critérios lógicos da linha de demarcação científica. 

    Como mencionado anteriormente, o debate levantado desde Kant não fora ainda solucionado. A metafísica mesmo diante de inúmeras críticas desde então, utilizando termos heiddegerianos, é a montanha que ainda não foi atravessada; no entanto, esta área do conhecimento foi separada do conhecimento científico graças sua insustentabilidade demonstrada no decorrer do trabalho em questão. A metafísica, não é mais tida como a filosofia primeira, mas é apenas a uma tentativa impositiva de um saber dogmático ilusório que supõe uma verdade que jamais foi e será alcançada. Em suma, mesmo que as especulações além da física não foram ainda superadas, esta constitui hoje um exercício proativo da linguagem e da racionalidade que é limitado apenas por afirmações eloquentes sem fundamento válido e vãs sabedorias. 





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BACON, Francis. Novum Organum. Editora Grupo Acropólis, 2014. 

KANT, Immanuel. Prolegômenos a Toda Metafísica Futura. Lisboa: Editora Edições 70, 1988.

POPPER, Karl R. A Lógica da Pesquisa Científica. 16. Ed. São Paulo: Editora Pensamento Cultrix, 2008

A Proposta Antropológica em Immanuel Kant e a Liberdade

        Kant no seu texto que responde à questão sobre O que é o Esclarecimento, demonstra 
nas entrelinhas sua concepção antropológica, sua relação íntima com a epistemologia, assim 
como fica subjacente os ideais que permearam o ambiente intelectual nos pensadores europeus 
da Ilustração. Primeiramente, é válido destacar que o espírito de época no período em que o 
filósofo prussiano elaborou seus escritos, é profundamente marcada pelo cogito cartesiano, 
pelas transformações sociopolíticas entre Igreja e Estado, a ascensão da burguesia, e por fim o
domínio técnico dos meios de produção; em suma, compreender o clima social vigente no 
século XVIII é fundamental para o entendimento acerca do pensamento sobre o homem em 
Kant e sua intrínseca relação com o saber.
        No Iluminismo, como Lima Vaz aponta, rompe completamente da concepção cristã 
sobre a condição humana: enquanto os cristãos através de seus preceitos teológicos, 
universalizavam o ser humano, tal qual afirma o apóstolo Paulo, unificados pela fé a totalidade 
dos cristãos tornam-se um aos olhos do Cristo; na “era das luzes” ao contrário, a 
individualidade é acentuada por intermédio do Esclarecimento, ou seja, o homem transformase realmente um a partir do momento que passa da Minoridade para Maioridade, dito de outro 
modo, quando desfaz das tiranias (dos sentidos e da religião) que limitam sua capacidade de 
pensar por si e eclode a verdadeira dignidade humana, a liberdade de pensar e agir em 
conformidade com a razão. Longe de ser mero individualismo, a perspectiva Iluminista de Kant 
dá ênfase ao papel fundamental que o “esclarecido” possui na sociedade: 


“O uso público de nossa razão deve a todo momento ser livre, e somente ele 
pode difundir o Esclarecimento entre os homens; [...] entendo por uso público 
de nossa razão o que fazemos enquanto sábios para o conjunto do público que lê.” (KANT, 1783)


        Visto que o indivíduo que alcançou a Maioridade possui a função social de despertar o 
povo para o conhecimento crítico, ou seja, a Liberdade adquirida da emancipação do jugo dos 
tutores que mantém a humanidade refém de suas interpretações, a antropologia kantiana 
assume uma compreensão pragmática do ser humano. No entanto, para o sujeito passar de seu 
estado de Minoridade para o Esclarecimento é necessário trilhar o itinerário da razão, o que, de 
acordo com Kant, é preciso alguns elementos fundamentais, tais como: ser do gênero 
masculino, sair da preguiça confortante de deixar terceirizar o pensamento a outros, vencer a 
covardia para assumir a “coragem de te servir de teu próprio entendimento, tal é, portanto, a
divisa do Esclarecimento.” (KANT, 1783).
        Levando em consideração que o fato de Esclarecer, em suma, é a autonomia do agir e 
pensar no indivíduo, a antropologia desenvolvida por Kant está estritamente conexa com seu 
entendimento de Liberdade. O homem só é livre, quando passa para a condição da Maioridade, 
como já dito, o progresso da Razão que eleva o indivíduo a vencer as falhas que o prendiam na 
externalização do pensar; conhecer é pensar por si, pensar só é Liberdade.





Sobre a Analogia do Ente - Metafísica

A questão da Analogia do Ente em Aristóteles é estruturada sobre o ser, aliás, na sua metafísica buscara tratar o ente enquanto ser e suas determinações. Originava-se então, em séculos posteriores, o pensamento analógico, que foi uma manifestação do racionalismo medieval nas diferentes áreas como a lógica, no qual os intelectuais cristãos estavam preocupados com as plurissignificações; a teologia, que se ocupava sobre os assuntos com a linguagem sobre Deus; e pôr fim a metafísica propriamente dita, com a preocupação em como expressar a realidade das coisas e dos entes para a reintegração do conhecimento. Surge, portanto, uma dificuldade, quando se situa em uma análise lógico-linguística, na busca de uma definição em unificar os diversos significados do pensamento analógico, o desenvolvimento da analogia em três tipos: Os unívocos, na qual é um termo sempre utilizado para o mesmo sentido; os esquivos, na qual é um termo usado com vários significados, mas de forma diferentes e os análogos; um termo, muitos significados unificados, ou seja, usado em sentido relacional.  

O pensamento analógico busca relacionar as partes com o todo (universo), ou seja, seu papel é, de tal forma, de um pensamento como comparação. Evidentemente, o pensamento analógico é aquele baseado em analogia; onde a palavra “Analogia” quer em dizer um raciocínio relacional, ou seja, corresponde em buscar uma semelhança, sem negar, contudo, as diferenças entres esses dois termos comparados, possibilitando não uma conclusão universal, mas uma percepção de unidade entre eles.  

É partir desse pensamento analógico que Aristóteles e São Tomás de Aquino irão buscar entender as coisas da realidade. É diante dessa analogia do ente enquanto “semelhança e diferença” que surgiram alguns discussões e definições do ser. O plano de fundo dos pensamentos sobre o ser em uma visão aristotélicas era os estudos dos diferentes significados do ser como acidente, verdadeiro, potência e ato. Em função do caráter analógico do pensamento aristotélico em sua visão metafísica passa naturalmente ao estudo do ser e do ente, na qual o estagirita afirma que só o ente é (o que é). Logo, as correlações estabelecidas entre esses dois termos é a conexão no que faz capaz de exprimir e explicar as coisas do mundo, portanto de acalmar as dúvidas existenciais. 

Tendo em vista que a analogia faz correlação com a semântica dos termos (um termo, muitos significados), faz-se necessário a compreensão dessa noção no que se refere ao ente. Dessa forma, vemos que a analogia do ente gira em torno do ser e sua determinação; por exemplo: Caneta azul, podendo ser extraído dessa afirmação sobre o ente o ser em si (ser caneta), sua determinação (ser azul), a própria determinação que é o ser em si e ser do outro no acidente. Fica evidente, portanto, que de um único ser pode ser abstraído uma multiplicidade e diversidade de significados unificados. 

A analogia, então, se distingue da univocidade (que se volta para o ser idêntico, descuidando-se das determinações) e da equivocidade (que se volta para as determinações e se descuida do ser), fazendo uma síntese entre identidade do ser e as determinações. 

Desse conceito de analogia do ente temos dois tipos: a de proporcionalidade e a de atribuição. A analogia de atribuição é aquela que está na semelhança absoluta ou das formas; por exemplo: manga pode ser uma fruta ou a manga da camisa; já a analogia da proporcionalidade é a relação de semelhanças de correlações de proposições matemáticas, por exemplo: dois está para quatro assim como três está para seis. 


Há ainda uma divisão dentro dessas analogias: 

A) Analogia de atribuição intrínseca: se dá quando o significado do termo se encontra em todos os sujeitos em que se predica, porém de modo desigual, sendo no primeiro de modo mais perfeito e nos outros de modo derivado. Por exemplo, o espinho que espinha/fura e uma pena que também espinha/fura; ambos têm a mesma capacidade expetante, porém o primeiro de forma mais perfeita e o segundo de forma secundária (analogia de atribuição intrínseca metafórica); ainda que Deus é causa eficiente do mundo e o homem é causa eficiente de uma casa, ambos são causa eficiente de algo (analogia de atribuição intrínseca própria); 

B) Analogia de atribuição extrínseca: se dá quando o significado pelo nome se encontra apenas em um dos analogados e nos demais não se encontra de forma efetiva. Por exemplo, Santo Antônio e a Bíblia Sagrada, nos dois a santidade está presente, porém no primeiro de forma explicita e no segundo de forma implícita; 

C) Analogia de proporcionalidade própria: se dá quando a relação de proporção do nome é própria nos pares do termo. Por exemplo, a vista está para as cores como o ouvido está para o som, ou seja, cada realidade está focada em seu objeto. 

D) Analogia de proporcionalidade imprópria ou metafórica: se dá quando há a utilização de metáfora. Por exemplo, quando se diz “visão” intelectual, faz-se uma analogia a visão corporal, mas a visão não é própria do intelecto. 


A analogia do ente é estritamente racional e inteligível, esta proposição, impossível de ser compreendida pelas vias sensitivas, agregam em si, a unidade e a identidade do ser, assim como a diversidade e multiplicidade que englobam a determinação do ser. No entanto, uma vez que abrangem o uno e o múltiplo, que são respectivamente contrários, em uma só manifestação, poder-se-á cogitar que a expressão metafísica da analogia do ente vá contra os princípios lógicos, a saber, o da não-contradição. Não obstante, a questão a investigar é elucidar a contrariedade presente neste princípio racional afim de que possam ser compatíveis.  

A solução do problema mencionado, é possível a partir do entendimento que o ente é uno levando em consideração, de modo semelhante a cosmologia heraclitiana, a unidade dos contrários que há ao redor da expressão, ou seja, o ente torna-se um no momento que a determinação e o ser são anexados na constituição do ente. Ser e determinação coexistem por si e formam o ente. Com efeito, o impasse real, a ser resolvido é entender a distinção que há no dualismo supracitado de modo que não inferira ou contradiga a unicidade do ente, ademais, dentre as perspectivas possíveis para o esclarecimento são:  


A) Ambos os constituintes não são independentes. Dado que na afirmativa da independência dos elementos, a concepção da unidade do ente seria incognoscível pelo motivo que seriam entes distintos, de modo que a síntese do ser e determinação seria suprimida: a determinação seria não-ser e o ente corresponderia ao ser. Ainda, tal significação abriria margem para interpretações monistas ou pluralistas, que o ente significaria respectivamente, ou o ser ou a determinação; 

B) Os dois elementos não são duas frações do ente, pelas mesmas razões sobreditas na primeira perspectiva; 

C) Determinação e ser são duas bases engendradas e correlacionadas de tal maneira que formam a síntese que é o ente. Dito de outro modo, é completamente ser e determinação, é integralmente uno e múltiplo, é absolutamente separado e conjunto. 


Desse modo, o ente é todo inteiro ser e determinação, a sua essência compreende-se no modo de ser, isto é, ser-determinação. O ente, portanto, é intrinsicamente transcendental, em razão de que a determinação é sui generis ao ser, e o ser é exclusivamente conexo à determinação.  

Compreendido a distinção presente na síntese de ser e determinação, os escolásticos definiram termos próprios para designar os elementos constitutivos do ente: principium quod, aquilo que é; e id quo est, aquilo pelo qual o ente é. Exemplificando, o primeiro termo definiria o indivíduo, o segundo corresponderia ao ser humano, de modo que ambos se complementam tornando-se uno. Como fica evidente, a analogia do ente, equivaleria sendo a unidade na diversidade, podendo ser tanto abstrato, concreto e princípio formador correlacionado. 




A Condição Humana em Blaise Pascal

No livro de Blaise Pascal Os Pensamentos (especialmente nos números 66 ao 72) é descrito a concepção de "ser humano" que está aí subjacente, tal concepção se torna possível tão somente no interior da Idade Moderna.

Nos trechos de Pascal é evidente a contraposição dialética em relação aos seus contemporâneos. Nos fragmentados registrados em seu livro Os Pensamentos, Pascal demonstra como o ser humano é um ser intermediário: nada em relação a infinitude; tudo em relação ao nada. O homem, de acordo com seus fragmentos, só poderia chegar a esta conclusão através do conhecimento de si, para reconhecer o quão grande é o ser humano por sua capacidade de pensar e do universo que o envolve para contemplar-se sua miséria por sua pequenez em relação ao todo e sua mortalidade que faz o homem assemelhar-se ao animal. Nesse sentido, Pascal vai estabelecer uma relação sintética quase dualista em relação ao ser humano: um milagre por sua grandeza e uma maldição por miserabilidade. 

Além do mais, Pascal recomenda que o ser humano considere a si próprio um ser estrangeiro na natureza, contemplando com espanto e admiração sua existência entre o abismo do infinito e do nada. O homem, portanto, caminha no meio termo nos mais amplos aspectos, o pensador francês demonstrará suas convicções a respeito em uma de suas principais obras: a racionalidade humana é capaz apenas de “alcançar o centro das coisas que abraçar-lhes a circunferência”; “limitados em tudo, esse termo médio entre dois extremos encontra-se todas as nossas forças”; “em suma, as coisas extremas são para nós como se não existissem, não estamos dentro de suas proporções: escapam-nos ou lhes-escapamos.” (PASCAL, 1973). O filósofo moderno, ao propor tais ideias sobre o homem, vai no caminho oposto da corrente filosófica que estava sendo consolidada após o declínio da Igreja de Roma. Pascal retira todo o brilhantismo que os pensadores renascentistas colocaram sob a humanidade, que de acordo com eles, o homem que é o ser mais digno e capaz de toda natureza, do mesmo modo contesta os pensadores que beberam da fonte cartesiana e criam na condição verdadeiramente dualista do sujeito, ou seja, partem da metafísica para a empiria, o ser humano só é porque pensa. 

Diferentemente de outros filósofos do início da era moderna que, influenciados pela concepção cartesiana do homem, acreditavam no “poder absoluto” da razão que poderia tudo conhecer, na superioridade que esta tinha em relação à sensibilidade, Blaise Pascal vai no caminho contrário aos “otimistas da razão”. Este afirmava que a razão é limitada, que vive em ilusões graças a inconstância permanente que há nas aparências, a razão, diversamente de Descartes, é objeto de dúvida para Pascal, nas palavras do autor em estudo: 

“Como poderia uma parte conhecer o todo? Mas a parte pode ter, pelo menos, a ambição de conhecer as partes, as quais cabem dentro de suas próprias proporções. Mas as partes do mundo têm todas tais relações e tal encadeamento uma com as outras que considero impossível compreender uma sem alcançar as outras, e sem penetrar o todo.” (PASCAL, 1973). 


Tendo em vista o pensamento de Pascal, tais concepções só foram possíveis ser concebidas no início da Idade Moderna. Após o enfraquecimento teológico-político do catolicismo apostólico romano, a Europa passou por uma ampla transformação: a burguesia começava a ascender; novas vertentes da religião cristã surgiam; o saber, graças as inovações tecnológicas e outras circunstâncias que possibilitaram, saíram dos mosteiros e pessoas que não pertenciam ao clero tinham acesso as obras do pensadores greco-romanos; dentre outros fatos que contribuíram para alterar o zeitgeist teocêntrico católico, em suma, pode-se afirmar que se iniciava um novo ciclo em solo europeu. 

Como já mencionado, Pascal vai se opor as concepções antropológicas contemporâneas à sua época e predecessoras de seu pensamento. Os renascentistas, anteriores à Pascal, maravilhados com as obras e sabedoria dos clássicos, construíram seu pensamento envolta da beleza humana que de tão demasiadamente humana se tornava divina (como fica evidente principalmente nas artes), ademais, o homem para os humanistas, é digno, é transformador e capaz por sua consciência; como Lima Vaz bem define os juízos que permearam o entendimento sobre a humanidade durante a Renascença, esta compreensão é: “[...] uma antropologia de ruptura e transição: ruptura com a imagem cristão-medieval do homem e transição para a imagem racionalista que dominará os séculos XVII e XVIII.” (LIMA VAZ, 1998, p.81). Já quanto aos seus contemporâneos, marcados pela concepção antropocêntrica renascentista e otimistas quanto a maestria da racionalidade, refinaram o entendimento dos pensadores humanistas, e acabaram por conceituar o homem sendo o que é graças sua capacidade pensante que duvida, na formulação cartesiana de Descartes, res cogitans. O racionalismo de inspiração cartesiana e a descobertas científicas ocorridas nesse período transformara em grande medida o pensamento filosófico moderno, influenciando vários pensadores modernos (como Hobbes, Locke, Espinosa, etc.) e que desaguara no Iluminismo.

Portanto, como fica evidente no decorrer trajetória do pensamento filosófico Ocidental, os fatos supracitados que envolviam o ambiente europeu na época que Pascal elaborou seus escritos, possibilitaram que o pensador francês formulasse sua filosofia e a condição que o homem possui. Contrapondo-se ao otimismo da razão e a exaltação da humanidade em pauta nesse momento histórico, Pascal se tornara um filósofo com um pensamento singular do início da Idade Moderna.







RESUMO DE PSICOLOGIA SOCIAL: CONFORMIDADE E OBEDIÊNCIA

  1. Duas formas em que ocorre a conformidade segundo David G. Myers: A conformidade manifesta-se de inúmeras maneiras. David G. Myers, no...