Samuel Clarke, discípulo de Isaac Newton, filósofo, teólogo e bispo anglicano, foi um dos pensadores britânicos mais notáveis do século XVIII. Clarke, discorreu acerca de diversos tópicos no decorrer de sua vida, destacando-se, sobretudo, no campo metafísico. Sua principal obra, dedicada a refutar os principais tópicos ontológicos do sistema espinosano e hobbesiano, esbarra em diferentes assuntos que, oriundos do dualismo cartesiano, perdurariam no pensamento moderno. Dentre os tópicos que Clarke desenvolve em sua obra magna e em suas correspondências com Anthony Collins, está seu entendimento sobre a questão levantada por Descartes, debatida veemente por inúmeros pensadores no início da modernidade como Locke e Leibniz, no que diz respeito à constituição do dualismo entre mente-corpo.
Os argumentos que Clarke utiliza para desenvolver seus argumentos acerca da alma e consciência humana, demonstram a importância do tema neste período da filosofia anglo-americana. As doutrinas materialistas e naturalistas de Espinosa e Hobbes difundiram-se por toda Europa Ocidental, ainda que modificadas por seus seguidores.
Dentre os aspectos do pensamento materialista que circulavam no Reino Unido no século XVIII, estava o emergentismo que considerava a alma e a consciência uma propriedade que provém de uma organização de componentes de matéria. Clarke rejeita tal posicionamento, afirmando a intangibilidade da alma por uma versão do princípio chamado posteriormente por Kant na Crítica da Razão Pura de “Aquiles de todos os raciocínios dialéticos da psicologia pura” (A 351-352), onde a indivisibilidade do sujeito contradiz a divisibilidade da matéria. A consciência, para existir, exige que pertença a um sujeito individual, indivisível e uniforme.
A negação de Clarke contra a emergência da consciência pela matéria acontece pelaimplicação lógica de que o composto qualitativo da totalidade da alma é, simultaneamente,parte e totalidade da alma, impossível, portanto, ser resultante da matéria, levando em consideração que esta última é constituída de entes particulares mensuráveis e quantificáveis. É necessário que a alma seja imaterial e a consciência signifique ato reflexo. Caso contrário, seria preciso dizer, em primeiro lugar, que a matéria seja dotada de percepção e inteligência e, segundamente, os seus aspectos qualitativos e subjetivos dos objetos fossem intrínseco a eles.
No primeiro caso, Clarke argumenta que a percepção e a inteligência são atributos do ato de reflexão pelo qual o indivíduo compreende que os seus pensamentos, suas percepções e ações são próprias e particulares. O filósofo deliberadamente não explica como realizam-se os procedimentos que ocorrem na consciência da pessoa humana, contudo afirma que de fato não é necessário tal explicação, em função de seu argumento conseguir demonstrar universalmente que é impossível que a matéria possua pensamento ou consciência.
Na segunda hipótese, no qual Clarke constrói seu argumento, os aspectos qualitativos dos conteúdos provenientes dos fenômenos são intrinsecamente pertencentes ao sujeito. Com efeito, Johannes Kepler, cerca de um século antes, demonstrara categoricamente, por meio de seus estudos na óptica e dióptrica, que são os objetos que emitem a luz ao olho humano, e não o inverso (tal como concebido dos gregos até o século X d.C.). Newton progride com a óptica kepleriana: não apenas os objetos refletem a luz, mas também as cores, ou seja, em si, os objetos não possuem a qualidade da cor. No âmbito da sensibilidade e da imanência, cabe apenas a forma do objeto e seu movimento. Cores, sons, sabores, aromas, toques, etc. são modificações ou pensamentos da mente que são favorecidos pela potência circunstancial que o fenômeno têm para gerar alguma impressão no sujeito.
Clarke, ademais, afirma que a alma é parcialmente extensa. Na esteira de suas compreensões metafísicas, apenas Deus não está sujeito ao espaço-tempo, consequentemente, a alma não está fora do mundo, a despeito de sua incorporeidade. A determinação do local da alma é obtida, principalmente, por inferências lógicas, ainda que Clarke considere uma parte do cérebro no qual “encontra-se”, o sensorium. Dois argumentos autônomos sustentam a condição vertical da alma: Onde há possibilidade de ação, há substância. Ora, verifica-se claramente uma relação alma-corpo; segue-se disso que a alma é parcialmente coextensivaao cérebro. Clarke não explica além de raciocínios lógicos como sucede-se tal relação alma-corpo. Esta parte da definição do seu conceito de alma é dubitável por não ater-se às críticas de Henry More e Leibniz quanto aos impasses presentes na concepção holmenmerista.
Seja como for, a concepção de alma e consciência nos trabalhos e correspondências de Clarke contribuem indiretamente para a filosofia da mente em decorrência das intenções do autor nessas áreas de investigação do entendimento. Clarke estava interessado em solucionar, com um eixo de pensamento igualmente forte e válido, as implicações ontoteológicas e éticas dos sistemas naturalistas e materialistas que abalavam as estruturas do pensamento religioso cristão e, por acaso, acaba também debatendo e afastado-se de outras correntes filosóficas vigentes, como a de Leibniz, Descartes e Locke. Como vimos anteriormente, ainda que com a ausência de algumas explicações significativas no que diz respeito ao tema, a alma e a consciência em Clarke são incorpóreas, sujeitas às condições espaciais, e aptas às compreensões qualitativas dos fenômenos através do ato reflexo sobre as impressões que este último suscita no sujeito transcendental simples.
● REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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