O CÍRCULO DE VIENA, A METAFÍSICA E O MUNDO

    Uma das principais preocupações de Rudolph Carnap, integrante do Círculo de Viena, era a construção de uma filosofia científica, livre de pseudo-problemas. Carnap constrói seu eixo de pensamento em uma filosofia da ciência em duas grandes correntes, o pragmatismo e o empirismo científico, visando enquadrar o saber filosófico em uma análise da linguagem cotidiana e científica. Diferentemente de outros membros do Círculo de Viena, Carnap estendia o objeto de investigação de sua filosofia não apenas aos recursos lógicos-formais do pensamento, mas também o aspecto pragmático e semântico. Seja como for, a construção de seu pensamento envolve particularidades entre as duas correntes distintas, ainda que seu enfoque esteja centrado nos moldes cientificistas austríacos do início do século XX.

    O desejo de Carnap e seus colegas do Círculo é expresso categoricamente no Manifesto dedicado a Moritz Schlick: é preciso que haja uma concepção científica do mundo, afastando-se de devaneios e questões insolúveis. A emergência de uma filosofia científica resplandece diante do desenvolvimento das ciências matemáticas, lógicas e naturais no decorrer da Revolução Científica a contemporaneidade. Contudo, ainda que com progressos inexistentes até então na história da humanidade, a persistência do dogmatismo metafísico assombra e persegue o pensamento humano impedindo-o de ater-se ao que verdadeiramente pode ser dito, para dizer como Wittgenstein. Ora, o discurso e o método filosófico não se distinguem, segundo Carnap, do científico. Ambos os saberes devem ater-se na realidade, explicitando sistematicamente os fenômenos observáveis em enunciados claros e distintos. A filosofia, portanto, para nosso autor, constitui-se através de um amplo limite. Esta reflete sobre os princípios e termos científicos tencionando colaborar com os avanços nas ciências naturais mediante um uso dos recursos lógicos-formais. O empirismo científico busca acolher tanto os aspectos lógicos quanto práticos. 

    Por excelência, a elaboração de uma concepção científica de mundo é fruto direto de um espírito iluminista neokantiano e anti-metafísico, determinada pelo impacto do empirismo e positivismo. Partindo sobretudo das ciências empíricas, a filosofia, pautada no entendimento esclarecido e em ideias claras e distintas, precisa esforçar-se na tentativa de unificar as ciências, na organização dos aspectos socioeconômicos, e na manutenção da experiência cotidiana dos homens. Este propósito, além destes vieses práticos, de educação e divulgação científica, implica em posições teóricas e intelectuais. Aqui e ali, torna-se preciso escapar de pseudoproblemas. Não há mistérios ou problemas enigmáticos em filosofia, há “problemas” tradicionais que são ilusões, equívocos da razão pura. O saber filosófico tem de elucidar e esclarecer estes problemas e submetê-los ao crivo do método lógico-analítico de Russel ou apenas, tal como Kant, questionar: “Como é possível uma ciência pautada em juízos sintéticos a priori?”

    O indivíduo que se dispõe a fazer ciência, ou a ver o mundo com a uma concepção científica, necessita, portanto, elaborar uma proposição ou uma síntese de proposições e analisar minuciosamente enunciado por enunciado, elaborar hipóteses ou teoremas e colocá-los sobre o crivo técnico da experimentação com os meios que a tecnologia permite. Portanto, a lógica do conhecimento é, para Carnap e outros membros do Círculo de Viena, um empreendimento de análise destes processos lógicos de experiências, ou seja, um ato de exame sistemático do método das ciências empíricas, propondo enunciados úteis e desenvolvendo o pensamento filosófico científico. Logo, uma vez que a ciência exige que seus enunciados sejam válidos experimentalmente, a metafísica e seus pseudoproblemas que elaboram-se visando a obtenção de um conhecimento certo verdadeiramente indubitável via a razão pura, fazendo um paralelo com Kant, não progride e seu saber gira envolta de seu círculo vicioso da injustificabilidade, não transpondo o critério de demarcação elaborado pelos positivistas lógicos, que propõe um procedimento metodológico para que a ciência chegue a um saber unificado.

    Essa concepção de elucidação dos pseudoproblemas, seu desmembramento e busca de um sentido empírico para o saber teórico e prático refletem as influências que Gottlob Frege exerceu neste grupo. Frege, em decorrência de seus estudos na aritmética e na matemática, buscou purificar a linguagem de ambíguas, de modo a buscar um modus operandi de pensar, claríssimo e exato, como as ciências matemáticas, — visto que, segundo este autor, a aritmética decorre da lógica . Nessa busca, o filósofo desenvolve o critério de identidade em seus conceitos de sentido e referência, e, consequentemente em seu exemplo clássico: A definição estrela da manhã e a estrela da tarde, utilizadas por séculos como uma coordenada geográfica, refere-se ao planeta Vênus. O sentido, aquilo que pode mudar em uma proposição, estrela da manhã ou da tarde, diz respeito a referência, o planeta Vênus. A compreensão de Frege é, semelhantemente à concepção analítica do círculo vienense, que uma proposição verdadeira é aquela intrinsecamente conexa a referência.

    Ora, visto que Frege visava a construção de uma linguagem absolutamente lógica e universal, sem erros ou ambiguidades, e Carnap, definindo e delimitando o conhecimento válido aquele que é sujeito à empiria-positiva. A metafísica, na perspectiva contrária à Carnap e Frege, jaz em castelos de cartas e em uma linguagem obscura e confusa e falha ao critério metodológico científico-filosófico e linguístico fregiano, ou para dizer tal como Carnap, a metafísica é inútil. O dogmatismo metafísico impede a construção de uma linguagem pura e de uma concepção de mundo científico e, como diria Marilena Chauí, majoritariamente são estruturas de teologias-políticas, enquanto que o desenvolvimento de um pensar positivo e pragmático propicia um mundo mais belo e sublime para todos: “A concepção científica do mundo serve a vida, e a vida a acolhe”.





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