AS NOÇÕES COMUNS DE MIMESE EM PLATÃO E ARISTÓTELES

        O conceito de mimese é parte do vocabulário ocidental desde os primeiros expoentes da literatura grega como Homero e Hesíodo, alcançando seu desenvolvimento sobretudo no decorrer de toda a história da filosofia: da primeira Ilustração grega aos critérios estéticos de Adorno no século XX. Ainda que outros filósofos pré-socráticos já houvessem utilizado do termo em seus pensamentos, tão-somente com Platão e Aristóteles, séculos mais tarde, a noção de mimese será incorporada e aprofundada em suas obras iniciando a teoria da arte na filosofia ocidental. 

        Não obstante, apesar de tradicionalmente atribuído ao livro décimo da República de Platão e na Poética de Aristóteles, o conceito possui significações distintas em outras obras dos filósofos demonstrando a importância e versatilidade da palavra no repertório filosófico grego no decorrer do período socrático. Desde os diálogos platônicos de juventude até os tardios a mimese é inserida, e na filosofia aristotélica, o conceito é aplicado em múltiplas maneiras tanto nos fundamentos físicos quanto biológicos. A despeito da multiplicidade que a mimese foi desenvolvida em Platão e em Aristóteles, é sobretudo no âmbito da estética e da arte que será majoritariamente atuante em seus pensamentos e influente na tradição filosófica posterior. 

        Para uma compreensão segura sobre a noção de mimese em Platão é preciso, antes de tudo, pormenorizar a epistemologia presente em seu pensamento. De acordo com o discípulo de Sócrates, não há ciência sem o uso da dialética. A ascensão dialética é a base de seu dualismo e de seu entendimento sobre o que é o conhecimento verdadeiro. O filósofo, influenciado pelos pensadores eleatas, identificara uma clara distinção entre o permanente e o transitório, afirmando a superioridade do primeiro em relação ao segundo. De acordo com seu dualismo, Platão compreendia o mundo fenomênico como uma cópia imperfeita do mundo suprassensível, e uma vez que os objetos materiais estão sujeitos ao devir, por si só não possui nenhum valor científico. 

        Para compreender o que Platão concebe como conhecimento verdadeiro, é imprescindível ter o entendimento de como ocorre a ascensão dialética e a divisão que o mesmo faz sobre a realidade empírica e inteligível. O fundador da primeira Academia grega acreditava ser essencial constatar a superioridade às Ideias sobre os objetos sensíveis justamente pelo fato que a sensibilidade está em constante mudança, enquanto as Ideias, habitantes do mundo suprassensível, permaneceriam imutáveis e, portanto, esta deveria ser o objeto de uma investigação segura, sem estar correndo o risco que deixar cair-se no engano ocasionado pelas sensações. 

        A alegoria da caverna, retratada na República, representa as etapas do processo dialético rumo ao conhecimento verdadeiro. Como já foi dito, Platão distingue dois tipos de saberes, o sensível e o inteligível, que se subdividem: nas sombras, aparência sensível dos objetos; nas marionetes, representação própria dos objetos empíricos; no muro, limiar que separa os dois tipos de conhecimento; no exterior da caverna, realidade das ideias em si; por fim, no sol, suprema ideia do Bem e da Verdade. Platão, através da narrativa do mito da caverna, demonstra que as coisas do mundo sensível são apenas ilusões, e que para contemplar as Ideias só é possível através da reflexão, do raciocínio, do pensamento. Em suma, Platão demonstra a passagem do conhecimento meramente opinativo (dóxa) para o conhecimento real e verdadeiro (epistéme) que só seria alcançado mediante a dialética que engloba tanto o saber matemático quanto o filosófico. 

        Visto isso, intimamente conexa com a epistemologia e metafísica de Platão, a mimese no livro X da República é submetida a critérios gnosiológicos que atestam sua invalidade como modelo de conhecimento, levando, consequentemente, ao campo da ética e sua rejeição. É válido destacar que a discussão acerca da mimese como imitação é posterior à alegoria da caverna, reforçando a construção da teoria do conhecimento platônica e suas implicações na vida política. 

        A arte, como imitação, é concebida por um viés negativo por Platão: é inferior ao saber filosófico, embrutece o homem suscitando paixões baixas, e principalmente, afasta o indivíduo cada vez mais do Sumo Bem, ou na terminologia alegórica exposta no mito da caverna do livro VII da República, mantém o indivíduo entretido em seus grilhões. Cópia do mundo sensível, a arte é a falsificação da falsidade e deve ser proibida na utopia platônica. Em todas suas manifestações, a arte é a imitação dos fenômenos que são imperfeitos em si. Portanto, a mimese compreendida como imitação da natureza e, por conseguinte, das aparências, é algo que deve ser afastado dos indivíduos que visam a contemplação da verdade e a ordenação de sua alma com o auxílio da racionalidade. 

        Diferentemente de seu mestre, Aristóteles não concebe a mimese de modo negativo ou que afasta o homem da verdade. A imitação possui para o Estagirita uma significação dupla: em primeiro lugar, o aspecto ativo que representa uma ação ou uma atitude; em segundo, o retratado verdadeiro e universal da natureza. A arte recria a natureza, o homem, concebido como ente natural, é mimetizador em todos seus atos, e o artista aquele que vai considerar, nas possibilidades das possibilidades, o universal. 

        Desse modo, a poesia e a mimese poética, é um saber mais profundamente filosófico do que a história narrada pelos historiadores; enquanto o primeiro retrata a natureza e o gênero humano em seu modo atemporal e essencial, o historiador descreve fatos particulares restritos a um só tempo e acontecimento. Aristóteles, portanto, não compreende a mimese como algo falso e cópia imperfeita da cópia do mundo suprassensível, mas a entende como a imitação de um processo real uma vez que escapa a causa material e capta a formalidade do objeto. A própria natureza, de acordo com o fundador do Liceu, é artística por imitar um princípio teleológico interno, enquanto o ser humano, como causa eficiente dos processos poéticos mimetiza pela exterioridade. A arte, ao contrário de Platão, é indutiva: parte do particular para o universal, abrindo um caminho para a realidade que subjaz na sensibilidade do mundo. 

        O poeta, ao imitar a natureza em suas possibilidades, descreve algo que pode ser verossímil na realidade possibilitando conhecer tanto a realidade quanto as aptidões intelectivas próprias da alma racional. Além do mais, para Aristóteles, a poesia mediante a mimese é própria do ser humano, um modo que possibilita a obtenção de conhecimento estimulando o indivíduo a buscar os critérios universais do real. Em síntese, é possível traçar diversos contrates entre as noções comuns de Platão e Aristóteles, sendo as principais respectivamente: para o ateniense a mimese é falsa e embrutece o ser humano; para o estagirita a mimese demonstra o real em sua universalidade e engrandece o homem ao impulsioná-lo à saber.




A DIFERENÇA ENTRE A ÉTICA TELEOLÓGICA, DEONTOLÓGICA E UTILITARISTA

        As éticas teleológicas, deontológicas e utilitaristas são três abordagens distintas na filosofia moral, diferindo em suas bases teóricas e critérios para determinar a moralidade de uma ação. Cada uma das quais compreendendo uma hierarquia de valores distintos dependendo da abordagem filosófica que a ética é tratada. De forma sintética, é possível definir em três conceitos principais chaves para ambas: Na perspectiva teleológica, que possui um fim último, é a felicidade; na ética deontológica, imanente a toda ação virtuosa, o dever; no viés utilitarista, com o auxílio da razão pragmática, a ação útil a si e a coletividade. As diferenças mais notáveis entre as éticas são intrinsecamente ligadas com a própria conceituação de seu repertório teórico, portanto, cabe explicá-las para demarcar as principais diferenças essas abordagens em discussão:

        Ética Teleológica (consequencialismo): As éticas teleológicas, também conhecidas como consequencialistas, concentram-se nas consequências ou nos fins últimos de uma ação para determinar sua moralidade. O termo "teleológico" deriva da palavra grega "telos", que significa "fim" ou "objetivo". Nessas noções éticas, o valor moral de uma ação é determinado com base em seus resultados ou consequências. O foco principal está em maximizar o bem-estar, a felicidade, a satisfação ou algum outro objetivo final desejado. Exemplos de éticas teleológicas incluem Aristóteles e Tomás de Aquino como autores que discorrem nessa perspectiva. Para o Estagirita, o telos de todas as ações é a felicidade, enquanto para o Aquinate, na mesma linha que Aristóteles, a teleologia da ética é a bem-aventurança de estar em comunhão com Deus.

        Ética Deontológica: As éticas deontológicas, em contraste com as teleológicas, concentram-se nos deveres, obrigações e princípios morais inerentes à própria ação, independentemente de suas consequências. A palavra "deontologia" tem origem no grego "deon", que significa "dever". De acordo com a ética deontológica, algumas ações são moralmente corretas ou incorretas por natureza, independentemente das consequências que possam surgir. Exemplos de éticas deontológicas incluem a ética kantiana, que se baseia no princípio do Imperativo Categórico, e a ética dos direitos, que se concentra no respeito aos direitos individuais. O dever, ao contrário do fim, é o demarcador da ação moral e imanente à nervura do real.

        Ética Utilitarista: O utilitarismo é uma forma específica de ética teleológica cujo norte direcionador é o princípio da utilidade, também conhecido como princípio do maior bem-estar. O utilitarismo enfatiza a maximização da felicidade, do bem-estar ou do prazer como critério para determinar a moralidade de uma ação tanto relacionada aos aspectos do indivíduo quanto ao corpo político em sua integralidade. Ele avalia as ações com base em seu impacto nas consequências globais, buscando produzir a maior quantidade de felicidade (que é sinônimo de prazer) ou bem-estar para o maior número de pessoas possível mediante a utilidade de determinada ação. Em resumo, as éticas teleológicas concentram-se nas consequências de uma ação para determinar sua moralidade; enquanto as éticas deontológicas enfatizam os deveres e princípios morais inerentes à própria ação, independentemente das consequências; já a ética utilitária é estruturada, diferente da teleológica em si e da deontológica, pelo prazer consequente de um ato, ou seja, a retidão de uma ação depende exclusivamente da bondade final que esta acarreta independentemente dos meios que levam ao prazer final. 





UMA INTERPRETAÇÃO HEIDEGGERIANA DA EXISTÊNCIA HUMANA NA MÚSICA CONSTRUÇÃO DE CHICO BUARQUE

        A construção é parte da civilização humana, talvez, seu aspecto mais significativo. Escapando tão somente a exterioridade de suas manifestações, como é o conteúdo aparente na música em análise do Chico Buarque. Em sua etimologia latina, construir provém de construire designando o edificar, levantar. O homem constrói a realidade em seu entorno: edificando sistemas abstratos tanto filosóficos quanto artísticos; levantando monumentos arquitetônicos e manifestando a grandeza em sua complexidade sociocultural do ser humano no decorrer da história. Construir é próprio do ser humano em sua capacidade de transformar a natureza. 

        Refletida por Heidegger em Ser e Tempo, a existência é construída visto que a sua condição finita no mundo, intrínseca a sua essência, constitui parte de uma dimensão ontológica do ser humano: a realidade, sua existência não lhe são dadas de antemão em um plano imutável, mas estão por serem edificadas movidas pela tensão contraditória entre existir e não-existir. A despeito da existência humana não lhe ser dada em todas suas dimensões, o Ser, que se manifesta no Dasein, é histórico, isto é, o homem é lançado no mundo em determinados contextos que forjam a significação existencial que lhe buscada para lidar com a angústia da própria temporalidade finita. A consciência da própria morte impulsiona a dispor de uma autenticidade do viver, ou, na terminologia de Espinosa, faz que o homem exista em ato. Essa autenticidade da existência, para Heidegger, é construída. O pensamento é uma construção, e pensar é construir. 

        Não apenas a existência e a própria construção é debatida nos círculos filosóficos, Chico Buarque elabora uma música na qual retrata a condição de um operário que perpassa os dias de sua existência de modo automático sob uma condição inautêntica de viver. Sob uma proposta hermenêutica diferente, Chico com seu Dasein, em um período histórico formado pelas condições precárias do trabalhador, em plena ditadura militar, concebe a alienação tanto do construtor civil quanto das pessoas que consideram belo e sublime a condição automatizada da exploração da mão de obra proletária. 

        Inautenticidade, nos termos de Heidegger, é a palavra-chave para caracterizar a condição retratada na música. Viver autenticamente é existir se lançando para o futuro, buscando através das condições históricas o sentido de uma vida plena de significado, fazendo de seus atos expressões do Ser que se manifesta no mundo. Ora, um operário que vive por meio de condições que impedem a capacidade de reflexão de pensar, ou seja, construir, transcorre sua existência sem que encontre uma autenticidade própria do seu ser-no-mundo. A própria existência, a autenticidade que é essencial para a realização do ser humano, se torna objeto nas condições de trabalho capitalista: o homem, na concepção de alienação exposta no O Capital de Marx, transforma-se na própria mercadoria que produz. Segue-se que, sendo a autenticidade inerentemente humana, e o homem feito mercadoria pela condição alienante do trabalho, resplandece em cada ato automatizado do homem-máquina a inautenticidade do seu viver.




A DIFERENÇA CONCEITUAL ENTRE ÉTICA E MORAL

    O homem é um ser político, concebido seja com viés naturalista ou contratualista, a moral necessariamente emerge frente aos costumes sociais visando ao bem-estar coletivo. Intrínseca a todo corpo social, a moralidade abrange códigos, princípios e valores que ganham consistência mediante a relação individual e pública do agir. Para esta não há um fundador específico há quem possa se atribuir a constituição moral de um povo. Ela é anônima, formada por inúmeros indivíduos que seguindo as tradições e inovações conceberam um modo do bem-agir em determinado espaço e tempo próprio, são conceitos ambientais próprios e sujeitos a ação do tempo, exemplificando: uma ação que seria considerada bela e sublime na moral tradicional patriarcal, aplicada na contemporaneidade, com novos princípios e valores, estaria inadequada e injusta. 

    Fruto da racionalidade filosófica, a ética se distingue da moral em decorrência de seu caráter sistemático e reflexivo — ou seja, enquanto a moralidade ela surge pela experiência do viver, a ética, pelo contrário, nasce do pensar sobre a moral. Outra diferença contumaz entre ambas as áreas do pensamento humano é seu aspecto “autoral”, é possível atribuir um autor para dada reflexão sobre o tema, no decorrer da história da filosofia, por exemplo, inúmeros pensadores se dedicaram a repensar a ética proporcionando ferramentas para fazer uma análise ética da sociedade: pode-se fazer um discernimento ético se utilizando de Aristóteles, Espinosa ou Kant, enquanto no âmbito da moral, tal discernimento é inválido dado seu caráter temporal e subjetivo de alguma localidade, isto é, não se pode utilizar dos preceitos morais do êxodo do povo hebreu para se fazer um juízo da moralidade norte-americana do século XXI.

    Ela teoriza a respeito do bem-agir humano com o fim de dar respostas consistentes acerca do bem problematizando e superando os limites da moral vigente em determinado contexto, construindo códigos de normas, princípios e valores. Não obstante, a ética também abrange múltiplas áreas do viver humano, tanto no âmbito profissional quanto nos debates bioéticos. A reflexão de cunho ético se torna estritamente necessária para uma possível revisão dos valores presentes na moral; como a moral está sujeita às mudanças do tempo, conforme já explicitado, elas podem se tornar antiquadas e maléficas para o convívio dos indivíduos.




HERMENÊUTICA EM SCHLEIERMACHER : LINGUAGEM, TALENTO, CÍRCULO E MÉTODO HERMENÊUTICO

        Para Schleiermacher hermenêutica é um processo artístico de compressão e interpretação de textos. Mesmo sendo uma arte de compreender, para uma interpretação válida dos escritos é preciso certos aspectos mecânicos não fechados em si mesmos para a compreensão dos textos. O composto básico e constituinte de toda hermenêutica é a linguagem que, para nosso autor, comunica e é infinita em suas possibilidades de manifestação. Todavia, é válido destacar que diferentemente da retórica que também se utiliza da linguagem, a hermenêutica tem seu fim último em desvendar os pensamentos do orador no qual ela se dedica.   

        Tendo em vista que o telos hermenêutico é uma clarificação do uso da linguagem do orador em seus escritos, uma arte que se consuma na interpretação gramatical, Schleiermacher considera que é necessário possuir um talento para com a linguagem e de conhecimentos dos indivíduos, e também experiência que o sujeito, que se dedica a interpretar um texto, deve dispor. Não obstante, é preciso ter um conhecimento suficiente do “círculo hermenêutico” aparente que o autor interpretado está inserido e pode ser pormenorizado sabendo: seu idioma original, o ambiente intelectual de sua época, dentre outros aspectos que o influenciaram a fechar um ciclo de pensamento que se expressa mediante o uso da linguagem. 

        Ademais, para Schleiermacher, o processo de hermenêutica está ligada a passos interligados para uma possível elucidação do texto, seguida da interpretação gramatical e técnica, há a psicológica que serve de auxílio para a compreensão dos textos através de uma perspectiva totalizante da vida do autor que há de ser interpretado. Dentre outros componentes essenciais para esta forma de interpretação, Schleiermacher elenca duas fundamentais: o método comparativo e divinatório. Respectivamente, o comparativo coloca o autor interpretado, com sua individualidade descoberta diante de outros contemporâneos seus que debatiam acerca do mesmo tema, se expressavam com o mesmo gênero de escrita, possibilitando conhecer tanto a identidade quanto a alteridade do autor em seu meio. Já o método divinatório, corresponde à um processo de abstração por parte do hermeneuta que se coloca no lugar do autor trabalhado e, ao tentativas e erros, se transformar e tentar entender a individualidade do sujeito diretamente.  

        Em síntese, o interpréte precisa utilizar todos os passos e meios de interpretação para elaborar sua arte de compreensão de forma bela e sublime. A hermenêutica não fechada em si mesma, nem suas regras e técnicas, mas é um modo no qual o autor deixa de fazer parte de um determinado contexto sócio-histórico para entrar em um diálogo com o seu leitor que elucida de modo sistemático seus pensamentos para além de tão somente o manejo e entendimento da linguagem do autor. Nesse sentido, a hermenêutica exige puramente de talento da linguagem e de empatia para entender outros indivíduos.




POSICIONAMENTOS TEÍSTAS E HUMANISTAS ATEUS DIANTE DO PROBLEMA DO MAL

  •  O teísmo e as reações diante do mal: 
        A reflexão do mal perpassa o tempo e suas alternâncias. No mundo secularizado a questão toma proporções magnas e distintas mediante os entendimentos teístas e humanistas ateístas próprios da passagem do período moderno ao contemporâneo. As reflexões acerca da problemática do mal, do silêncio e do desamparo de Deus ultrapassam os domínios teológicos-filosóficos e resplandecem em outras diversas manifestações culturais. Após os movimentos históricos do início do século XIX à contemporaneidade, o sentido da existência humana tornou-se objeto de reflexão diante do mal que atinge proporções industriais e globalizadas. A questão do mal direcionou-se para o enfrentamento ético, político e religioso. O ato de refletir sobre o escândalo da maldade que assola a humanidade, mesmo de modo secularizado, é o pensar acerca do projeto soteriológico próprio das tradições religiosas de natureza judaico-cristã.  

        Objeto tradicionalmente debatido em critérios metafísicos, o mal no período moderno-contemporâneo é visto por meio da nervura do real imanente que o homem se depara: Da condição desumana dos assalariados nas indústrias europeias, à morte de Deus anunciada por Nietzsche, o fracasso da utópica razão esclarecida dos Iluministas, a vulgarização do sofrimento nos campos de batalha e de concentração das duas grandes guerras, a ascensão sistemas políticos totalitários, dentre outros demais males que fizeram o homem, em um ato de contestação, protestar diante do silêncio de Deus. Dito de outro modo, todo projeto filosófico-social sonhado por pensadores do século XVII ao XIX falharam, o ser humano defronte aos impasses recém-adquiridos em sua trajetória se dispõe a resolvê-los por outro caminho. 

        Dostoiévski no romance Os Irmãos Karamazov anuncia e retrata a condição do homem moderno na presença do mal. O autor suspende o juízo perante a moral e dos valores transcendentes que tanto a tradição religiosa quanto a filosófica sustentou e construiu o mundo ocidental. O homem deixando de contemplar os céus, percebe a fragilidade e as consequências da sustentação metafísica do agir. Não obstante, apesar da dúvida da presença de Deus na história da humanidade, o escritor russo afirma que sua existência é necessária como impedimento para plena liberdade da moral, isto é, os resultados do livre agir humano que afirmam sua capacidade para a maldade levam, fatalmente, à afirmação de Deus. Para mais disto, a existência do Ente Absolutíssimo construído pelas religiões é fundamental para a própria noção de humanidade e a liberdade das ações, sua existência permite, de modo universal, a distinção entre o bem e o mal moral tornando os humanos verdadeiramente humanos.  

        Sintetizadas nas palavras de Ivan Karamazov, Dostoiévski aponta para a incompatibilidade do mal, da vítima inocente e do agente do mal. A criação é corrompida pelo sofrimento, pela injustiça, e provoca o autor, a revolta própria dos homens em face de um Deus bondoso e onisciente é a contradição existente para a dureza do existir empírico diante a sublimidade dos dogmas religiosos. Por consequência essa aporia já debatida por Lucrécio, o escritor, tal como Jó, contesta a criação e o projeto redentor do Cristo. A fé, nesse sentido, deixa de ser objeto de racionalização e adquire uma postura existencial frente às dores do mundo.  

        Propondo dar uma solução válida aos novos modos de lidar com o mal, por um trajeto filosófico, Horkheimer por vias diferentes se dispõe a responder à problemática através das influências que recebeu em sua formação filosófica. Em consonância com Schopenhauer, o fundador da teoria crítica reafirma os movimentos absurdos da história e dos sistemas teleológicos dos idealistas metafísicos, de Hegel e Marx. O sofrimento escapa a qualquer possível sistematização racional, é ilógico, é irremediável e irreversível uma vez que a experiência do mal já fora consumada. Sem qualquer sentido que dê um caminho ou a justifique os movimentos históricos, a concepção de vir-a-ser na história é concebida como mitologia e vã filosofia. 

        De modo semelhante Walter Benjamin compreendia a história como uma grande retenção acumulativa de experiências trágicas e absurdas, o que acaba por levar a uma re-teologia escatológica contra a falácia do progresso humano. O integrante da Escola de Frankfurt em suas Teses sobre a filosofia da história, discorre sobre sua concepção de história que caminha rumo à uma teodiceia: não há resolução acabada nos processos de sofrimento humano, é incompleto e não existe ponto final nas consequências do mal já cometido, a história continua e o homem carrega o fardo de seus próprios erros. 

        Fruto do desencantamento do mundo anunciado com Weber, Horkheimer afirma que os trajetos que a sociedade dirigida e do cogito esclarecido encaminha-se para um período de incivilidade, fazendo de todos os meios e manifestações humanas instrumentos de exploração e opressão. Além de que o modus operandi positivista de conceber o real, para o filósofo, pouco a pouco vai destruindo todas as tradições utópicas, éticas e estritamente humanas, dito doutro modo, o homem deixa de sonhar por um mundo melhor. À medida que o pensamento cientificista cresce e se consolida na sociedade, progressivamente diminui e se enfraquece o alcance dos valores morais. Visto isso, a religião deve assumir uma postura distinta na sociedade capitalista, é preciso que os preceitos divinos deixem de ser objetos especulativos e se tornem imanentes, práxis vividas das leis divinas. 

        A religiosidade torna possível o engajamento e enfrentamento do mal com a esperança para um futuro mais sublime, ou seja, a religiosidade pode ser uma prática vinculada com as boas obras de justiça. Na sociedade administrada, para a fé e teologia, não é conveniente prender-se em especulações acerca da natureza divina e suas problemáticas metafísicas adjacentes. Além de que a teologia se dedicando exclusivamente aos critérios transcendentes da fé torna-se uma ciência com uma postura positivista ao ter como objeto de investigação a revelação e os argumentos lógicos-racionais para construir seu repertório dogmático e racionalista por negligenciar o aspecto pragmático da vivência religiosa. Desse modo, diferentemente do que Kant estipulava, Deus não é tão somente regulador da consciência humana, mas principalmente, para Horkheimer, estopim para o bem-agir em sociedade. 

        Dentro do cenário histórico político-social do século XX, a desesperança que afligia o mundo ocidental levou Horkheimer se afastar de correntes filosóficas que predispunham algum projeto messiânico, seja de cunho intelectual ou social, fazendo que o pensador teórico-crítico refletisse também sob a influência que recebeu de alguns conceitos religiosos e teológicos. Por conseguinte, seu posicionamento de engajamento da fé como fomentador de esperança na luta contra o mal o torna mais próximo de Dostoiévski que de Kant ou de outros filósofos que marcaram sua trajetória intelectual, inclusive do seu próprio círculo de pensador. Horkheimer, nesse sentido, é uma anomalia.  

        Ausente de lógica e incoerente em si, a história é o agente que faz o indivíduo dar um salto de fé no âmago do sagrado e, de modo contraditório, é o que impede a afirmação do Deus presente nos passos que a humanidade traça no tempo. Horkheimer, como já mencionado, se afasta de influências que prezam por um mundo melhor utópico, o filósofo movido pela máxima cristã de amor com o próximo e com a com-paixão schopenhauriana, considera que por meio destas últimas é possível manter viva a esperança e a chama transformadora do real sem cair no desespero diante da irracionalidade imanente à história. 

        Ainda que Horkheimer rejeite quaisquer tentativas de racionalização da fé especulativa ou de teodiceia, o mesmo não tende para o ateísmo pela insuficiência da razão em construir um pensamento válido que concilie a questão do mal, da bondade e existência de Deus. Sendo os homens incapazes de dizer algo que dê sentido para o mal no mundo, cabe, portanto, viver uma moral que seja harmonizável com os critérios divinos já cristalizados pela tradição teológico-filosófica. Logo, com a impossibilidade de discursar coerentemente acerca das questões divinas e profanas do mal e suas questões seguintes, levar uma existência pautada no amor, na justiça e caridade se torna uma orientação válida para resistir às investidas da maldade no percurso histórico. Horkheimer, consequentemente, em uma posição teísta esclarece um dos questionamentos emergentes de sua época, o mal moral. 

  • O humanismo ateu e o problema do mal:
        O mal é algo que transcende aos questionamentos teístas ou religiosos, a discussão sobre como lidar com sua existência percorre inclusive entre os pensamentos ateus mobilizando uma ética solidária. De acordo com Lévinas, o desamparo de um Ente Absolutíssimo pessoal impulsiona o humanismo ateu em direção a solidariedade. Como não há quem possa salvar os homens de si e dos males inerentes a sua natureza, compete aos próprios indivíduos tornarem do mundo um local mais humano e justo. A concepção ateísta do mal parte da própria imanente da tragicidade da história subjetiva e universal dos indivíduos. Essa proposta é a perspectiva prática de motivação para o problema do mal inescapável da existência.         No âmbito filosófico-literário Camus em seu romance trágico, A Peste, vai mais à frente de Horkheimer discorrendo, para além do mal moral, a dimensão física do sofrimento e da dor. Para o franco-argelino, as explicações cristãs fracassaram em decorrência do silêncio de Deus para com o sofrimento de inocentes. Não se pode crer em um Deus que se oculta em neblinas de vagas promessas enquanto sua criação chora as dores do mundo. A falta de justificativa para a experiência da dor é o sumo-obstáculo que impede a afirmação do divino na qualidade de Ente de Amor e Bondade, deste modo, o próprio Deus se torna inviável dada as vivências do mundo. Não há bem-aventurança alguma que amenize a inaceitabilidade do mal físico e moral.         Em seu ensaio filosófico O homem revoltado, Camus compreende a história mediante uma hermenêutica antropocêntrica atéia, para o autor o encadeamento de ações humanas são uma revolta que escapa a universalidade da metafísica. A nervura do real separada pela absoluta transcendência do divino possibilita que os homens se revoltem para com seu Criador. Apesar dos protestos dos homens, visto que no decorrer da história Deus se manteve passivo frente as tragédias que sucediam no mundo é vão implorar algum socorro ou pedir auxílio à racionalidade para encontrar uma ordem justificável para os atos humanos. Todavia, mesmo acreditando no total desamparo que os homens se encontram e na ausência de valores imutáveis, Camus reconhece a necessidade de Deus para que os indivíduos moderem seus atos e o mundo não se torne um local ainda mais árduo para vida.         Na não-existência de um Ente Absoluto não há critérios para se definir a santidade ou pecaminosidade. O mal está no mundo e sempre vence, não há condenação para o injusto e salvação para o justo devoto, isto é, a injustiça vence. Logo, como não há um centro moral metafísico para a determinação das ações humanas, o homem deve assumir o local de Deus e corrigir a história na luta contra o mal, mesmo com a certeza de que o sofrimento inevitavelmente há de vencer. Ora, o próprio esforço solidário para lutar contra as injustiças e as maldades que sucedem no itinerário humano é a demonstração da grandeza e sublimidade que o homem contém em si. Em oposição à problemática da natureza do mal, o engajamento para sua contenção não deve ser entendido nos moldes kantianos de moral, por imperativo categórico, mas, sim, dada a fragilidade dos homens, por intervenção a compaixão e ternura para com os indivíduos que sofrem.         Camus, mesmo se autoproclamando ateu, reconhece a necessidade da religião tanto para com os indivíduos como na luta contra o mal. A objeção camusiana para com a fé, em uma linha de pensamento já advertida por Marx nas Teses sobre Feuerbach, é para a tendência de algumas vertentes religiosas estimularem a passividade diante da dor, ou seja, a crença de uma esperança anestesiadora para com o sofrimento sem as devidas ações necessárias para o desenvolvimento de uma existência coletiva mais justa. Infiel ou fiel aos dogmas de fé, o homem bom e justo que enfrenta o mal é melhor do que Deus que se mantém indiferente aos clamores desiludidos dos homens. Por essa discrepância existente entre a solidariedade humana e a benevolência de Deus, é incompreensível qualquer tentativa de fundamentar ou de conciliar ambas as posições em um mesmo corpo teórico. É ineficaz e absurda, portanto, toda justificativa de conciliação, filosófica ou mitológica, com base nas premissas das religiões de natureza judaico-cristã, — o homem enquanto pecador e mal por natureza, e, Deus essencialmente perfeitíssimo e modelo universal de virtude.         Ainda que as pretensões religiosas sejam belas e sublimes, o mal derrota toda esperança soteriológica. Exemplificado na figura do médico contra a peste, ainda que o sofrimento se faça inescapável, é preciso lutar até as últimas consequências contra o mal. O ato de revolta dos homens diante do absurdo do real e de seus esforços inúteis por uma realidade melhor, longe de desaguar em um niilismo defronte as adversidades, é o estopim para o ser humano eleve sua potência capacidade de amar e estimar a vida, só existe esta única possibilidade uma vez que os indivíduos estão sozinhos e têm tão somente a si mesmos para lidar com o mal em sua amplitude. Os homens estão sozinhos na indiferença de Deus e do universo, desta maneira, é preciso que acolher verdadeiramente o absurdo e ser otimista quanto a própria humanidade.         Com o espírito próprio da filosofia continental da metade do século XX, Camus está inserido no desencantamento dos mitos de progresso, da religião e do projeto emancipador do Iluminismo. Em uma perspectiva diferente, o autor se assemelha aos ideais de Horkheimer ao propor um humanismo solidário no enfrentamento do mal, ainda que não pretenda que a religiosidade seja o condutor principal para solidariedade neste campo de batalha. Sem fé no destino humano, em um Deus que salva e com a esperança nas boas ações humanas, Camus, de determinado modo, chega no cerne da tradição cristã, embora seu pensamento, fundamentalmente, não seja religioso.         O filósofo em seus ideais sobre o problema do mal representa grande parte dos humanistas-ateus estabelecendo que, mesmo sem o cultivo dos critérios próprios da fé e com o alicerce no próprio absurdo da existência, é possível o enfrentamento da dor e do sofrimento mediante a solidariedade e compaixão. No O homem revoltado, o pensador reconhece os méritos do cristianismo ao tentar superar a maldade e a morte na figura do Deus fragilizado no alto da cruz, ainda que a religião tenha fracassado em reconstruir a história por meio do sacrifício compassivo de Jesus. Camus compreende que a fé no Deus crucificado é própria do homem revoltado que não se conforma com o absurdo da finitude e da injustiça. A despeito da excelência do ato penitencial do Cristo e do homem solidário que enfrenta o mal através do silêncio de Deus, Camus não propõe uma solução para o problema do mal, todavia, desperta os homens para com um otimismo consigo mesmo em uma possível construção de um mundo melhor.         No itinerário da questão acerca do mal da transição do período moderno ao contemporâneo, Ernest Bloch possui um lugar ímpar no debate. Com ideais marxistas e transcendentes cristãos, o alemão discorre, em uma tentativa de harmonizar o materialismo dialético com o projeto messiânico religioso. Diferentemente de Horkheimer que entendia a história de modo pessimista e de Camus no absurdo da existência, Bloch constrói uma estrutura teórica que expõe o homem, sua tragicidade, no âmbito de arquiteto e construtor de um mundo futuro que há de corrigir, ou pelo menos remediar, o mal ligado as ações humanas, ou seja, é impelido pela esperança plena no homem. Como tanto o mal metafísico quanto o empírico são inevitáveis, os seres humanos devem aprender com os males já cometidos, pensar no tempo que há de vir, para elaborar um presente que, solidariamente, é composto para as próximas gerações.
        A emenda do mundo para com os indivíduos futuros comporta uma ética utópica, uma aposta de intencionalidade, herdada de elementos da tradição cristã. O cristianismo é uma forma de religiosidade que se pauta na esperança por intermédio da contemplação da glória de Deus no paraíso e do Cristo que há de fazer justiça aos que choram pelo Reino do Céu. Todavia, Bloch rejeita a imagem de um Deus transcendente e pretende que o próprio ser humano, fiel ou ateu, seja, enquanto sujeito-histórico, o artífice do mundo que sofre para uma postura heroica na luta contra o mal moral. Uma vez que não há Deus que salve o mundo, compete o homem ser o redentor de si mesmo e se justificar diante do mal. Dado que o homem assume a postura de salvador e demiurgo do real, Bloch inverte faz de sua solução para o mal uma antropodiceia.         Para o filósofo, o cerne da questão do mal e as investidas contra sua proliferação independe da motivação pragmática que impele os indivíduos na busca de um mundo mais justo. No fim, o que acaba sendo importante é a própria luta para conter a maldade. Desta maneira, não hierarquização sobre qual modo contém uma eficácia maior para a solidariedade, ambas posturas, ateias ou religiosas, na práxis para a retificação da experiência da dor, desaguam no alcance da potência humana para a mobilização e vivência da esperança. Porventura, a principal diferença entre as posturas existenciais é a significação do mal que escapa ao crivo racional, — o religioso ultrapassa por meio do sentido que obtém da fé e suas justificativas na transcendência de Deus para a idealização própria para experienciar o mal.         Apesar do clamor de esperança para com o futuro que Bloch desenvolve em sua antropodiceia, o valor para manifestação do engajamento perante o mal, provindos da religiosidade é insuperável. Tão somente a intenção de construir um mundo mais ameno é frágil ante a função político-social que as expressões religiosas possuem. O ato de fé para o ser humano possui raízes profundas, a tendência a transcender não é abalada pelo avanço da técnica cientificista. Comprometida para com o âmbito ético da humanidade, visto os problemas emergentes que perpassaram o século XIX e XX, ascende uma perspectiva religiosa na Europa e nas Américas que atestam a contribuição da fé no combate para o mal em suas três dimensões, — independentemente dos impasses adquiridos após as mudanças de pensamento no Ocidente, a religião ainda consegue manter-se essencial para a humanidade pela significação e motivação para ultrapassagem do sofrimento moral, físico e metafísico.

  • Inconsistência e implausibilidade da teodicéia e conclusão: 
        Com o intuito de demonstrar a fragilidade das explicações da fé defronte o sofrimento, a teodiceia obtêm uma proporção magna com o pensamento analítico não apenas com o seu desenvolvimento reflexivo no campo ético-metafísico, mas também no teórico e lógico. A investigação sobre o mal, nessa perspectiva, deixa de centralizar as dimensões qualitativas da subjetividade do sofrimento no homem e suas soluções, para a compreensão integralmente racional da exatidão dos argumentos teológicos que se propõem a justificar as dores do mundo via a imagem de um Deus todo-poderoso e pleno de Amor.         O primeiro problema ao tentar discorrer sobre o mal na perspectiva fria da lógica matemática é a própria conceituação do mal em si mesmo, a experiência de qualquer dimensão da dor não é objetiva ou quantificável. Segundo N. Pike, a observação do fato empírico não carrega juízo de valor algum, a presença do mal é determinada pela sociedade na qual se apresenta; o sujeito julga o objeto pela identidade construída socio-culturalmente. O segundo inconveniente de tratar sobre o mal é pelo caráter totalizante e universal que as religiões partem: Deus, o Sumo-Bem e Criador do real, convive lado a lado com a presença do mal em sua Criação. Não obstante, nessa segunda colocação acerca do sofrimento, não há ainda contradição lógica entre ambas as premissas entre a existência ou não do divino, mas sim quanto à sua essência.         A vivência da fé escapa ao crivo total da ratio ocidental que tenta racionalizar toda realidade. Existe uma diferença contumaz entre pensar como as teodiceias explicam logicamente o mal e a compreensão sobre como Deus permite que o mal se encontre em sua Criação. Frequentemente as experiências da vida não são lógicas ou possuem plena explicação racional, Heidegger advertiu sobre a tentativa de sistematizar Deus e seus movimentos em um pensamento integral por desaguar em um racionalismo que não assume os limites da razão em face da contingência do viver. Absolutamente toda tentativa de sistematizar a experiência do mal fracassa frente a diversidade e universalidade do sofrimento. O mal, simplesmente, desafia o entendimento dos homens.         O ser humano é livre, a projeção de um mundo melhor não depende apenas da vontade de Deus, mas principalmente da própria ação sublime do homem na história. Como Kant observou, a idealização de uma possível realidade que seja melhor do que as dos fenômenos tais como se apresentam aos sentidos é um desvio da razão em decorrência da fragilidade dos processos indutivos dos conhecimentos a priori: não há como saber se o futuro há de ser menos ou mais perfeito que o real imanente que se impõe e escapa ao entendimento. A filosofia analítica, desse modo, contribui para a demonstração que as teodiceias falham ao tentar explicar as contrariedades presentes na afirmação da bondade de Deus e da maldade no mundo, além da ênfase facultada ao principal obstáculo racional do sofrimento que põe em xeque toda credibilidade dos argumentos teístas ou religiosos.         Em síntese, é possível afirmar que toda e qualquer tentativa de justificar o mal é uma tentativa falha em si mesma. Toda especulação, religiosa ou ateia, perde sua força frente a experiência vivida do mal e do sofrimento. A razão e a consciência religiosa possuem limites de apreensão da realidade do mundo, subsistem ainda questões aporéticas que perpassam o entendimento humano que percebe o real de modo fragmentado, hipotético e subjetivo.         Visto que a teodiceia na contemporaneidade perde suas forças pela virada antropológica do sofrimento inerente à existência do homem, a práxis do enfretamento do mal aumenta sua potência de ação. Ademais, qualquer posição e solução que o homem assume defronte ao mal é uma contestação humana tão inerente ao seu ser quanto a própria universalidade das experiências trágicas do existir. A questão central, no fim, é o combate contra o mal em sua totalidade, — físico, metafísico e moral —, em um ambiente globalizado em que as diferenças ideológicas, mesmo com suas divergências teóricas, possam lutar com o propósito solidário de amenizar as dores do mundo. Na transição da modernidade ao período contemporâneo, de Dostoiévski aos Analíticos, há um traço comum entre todas as perspectivas humanistas teístas e ateístas: A responsabilidade social do homem para com seus semelhantes, sua culpa e grandeza na história. “Hoje, antropodiceia ocupa o lugar da teodiceia, a resposta prática e solidária contra o mal substitui a especulação teórica.” (ESTRADA, 2004, cap. VI, p. 376.)




  • Bibliografia:
ESTRADA, Juan Antonio. A impossível teodicéia: a crise da fé em Deus e o problema do mal. São Paulo: Paulinas, 2004.

RESUMO DE PSICOLOGIA SOCIAL: CONFORMIDADE E OBEDIÊNCIA

  1. Duas formas em que ocorre a conformidade segundo David G. Myers: A conformidade manifesta-se de inúmeras maneiras. David G. Myers, no...