-No período medieval, a imensa maioria dos intelectuais do Ocidente eram cristãos. Para se
ter melhor entendimento a respeito das influências do cristianismo durante essa época nas
investigações filosóficas, é necessário compreender o passo a passo da doutrina cristã.
-Em suas origens, o cristianismo se depara com uma série de obstáculos, tais como:
- Perseguição religiosa.
- Conflitos com judeus e pensadores pagãos.
- Divergências internas pelas primeiras heresias.
-Em relação ao judaísmo, os cristãos viam sua crença como o aprimoramento, confirmação
das revelações divinas e escrituras dos antigos profetas. E diante da filosofia pagã, o
cristianismo apresenta o conceito da Trindade, que proclama a união de três entes distintos
(Pai, Filho e Espírito Santo), formando um só Deus.
-Com efeito, os ideais transmitidos pelo Messias e seus discípulos demonstram um
amadurecimento/desenvolvimento do pensamento até então estabelecido, assim sendo, seria
inevitável o desentendimento entre a sabedoria semita e pagã durante os primeiros séculos do
cristianismo.
-"[...] Os filósofos cristãos, por sua vez, consideram o helenismo a expressão mais acabada da
cultura antiga. O contraste se estabelece entre Evangelho e sabedoria pagã. Os pensadores
cristãos entendem o Evangelho como sabedoria divina, que se dirige à fé, e o helenismo como
uma sabedoria humana que fala à razão." (p. 31)
-Com os passar dos anos os discípulos de Jesus percorrem todo mundo greco-romano com os
ideais do palestino aos gentios.
-Mais especificamente com o Evangelho de João (90-110 D.C.), e com as cartas de Paulo (40
D.C.) começa a despontar as primeiras raízes de todo saber dogmático-teológico-filosófico
cristão.
- "[...] No Evangelho de João, Jesus é a revelação do próprio logos, que se fez carne humana.
Nas cartas de S. Paulo, o Cristianismo adquire consciência de sua missão universal." (p. 32)
- O cristianismo é apresentada e originada pelo Messias como crença, pois é explicito que a
iluminação parte de Deus visando suprir o vazio existencial do homem e sua moral. Somente
algum tempo depois o cristianismo toma um ar mais filosófico, a partir do momento que os
pensadores desejaram entender com um olhar racional a fé, e os mistérios de Deus.
- No entanto, os primeiros pensadores cristãos, no tempo em o cristianismo expandiu-se para
além das fronteiras palestinas, tiveram que confrontar suas ideias com os filósofos helênicos.
-"[...] Roma conquistara o mundo, mas fora incapaz de compreender e assimilar o espírito
científico grego. O Cristianismo nasce como religião baseada na fé e na revelação divina, ou
seja, estabelece uma hierarquia de vida: " (p. 32)
-O Cristianismo com seus ideais de fraternidade universal, amor ao próximo e a todos
igualmente foi desenvolvendo uma firme união e harmonia entre as pessoas e comunidades no
mundo teológico-filosófico greco-romano.
- "Desde logo rejeita qualquer tipo de compromisso, e apresenta-se como a única escolha
possível que exige o homem todo. Desta forma apresenta respostas tanto às necessidades
religiosas como às inquietudes filosóficas." (p. 33)
-"A doutrina cristã respondeu não só às exigências religiosas e místicas da época, mas
também às exigências éticas, sentidas de modo especial no estoicismo: moral simples e clara,
fundada em imperativos indubitáveis, aberta a todas pessoas, sem discriminações." (p. 33)
-São Paulo confrontou duas linhas de pensamento em sua trajetória, a grega e hebraica.
Confrontou-se com os judeus que estavam presos às interpretações ortodoxas das
escrituras, e também exigiam evidências que legitimasse os milagres do Cristo;
- Já em território grego, mais especificamente em Atenas, centro intelectual da época, Paulo
teve de convencer os filósofos estoicos e epicuristas sobre a validade do discurso racional
entre a filosofia e a revelação, porém utiliza outro método para certificar seu saber, "[...]
Paulo coloca os gregos frente ao absurdo de um Deus morto, ressuscitado e elevado à glória
do céu." (p. 34)
- "Os judeus pedem sinais, e os gregos procuram a sabedoria; nós, porém, anunciamos Cristo
crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos." 1 Cor. 1, 22-23
-Em todo Novo Testamento, apenas Paulo cita a palavra "filosofia" em Colossenses 2,8, pois
para ele a verdadeira sabedoria provinha do divino. É nessa passagem pelo território grego
que o autointitulado Apóstolo tem como objetivo unificar todo o saber cristão, em uma só
doutrina.
- "Quando S. Paulo designa "sabedoria deste mundo" refere-se à sabedoria hostil a Deus,
pois conhecera a filosofia helênica num momento de crise. Sentiu a oposição entre esta
filosofia, e a revelação cristã." (p. 34)
-Em várias passagens de seus escritos, Paulo deixa claro que a racionalidade é essencial para
compreender, conhecer a existência de Deus, e para a busca do verdadeiro saber.
-”O Cristianismo e a filosofia aparecem, pois, em dois planos distintos, sendo primeiro a
religião, uma doutrina de salvação, apoiada na autoridade de Deus e a segunda, produto da
razão, com todas imperfeições inerentes à própria natureza humana." (p. 35)
-No princípio, não havia um consenso entre os pensadores, por exemplo; Porfírio considerava
maravilhosa a passagem da paixão de Cristo, porém não concordava com o conceito de
ressureição; Luciano, considerava uma "admirável sabedoria", mas considerava que os
seguidores de Cristo, adoravam um sofista "crucificado".
-A filosofia passa por um século sem demasiado conflitos com a filosofia. No século II,
seguinte alguns aspectos socioculturais, surgem os apologetas que trouxeram consigo os
embates entre a fé e o saber.
- "Os apologetas são escritores cristãos que assumiram a tarefa de defender o Cristianismo
contra os ataques de seus adversários, num esforço de munir a fé com argumentos racionais.
[...] Destacou-se Clemente de Alexandria (150-215) que introduziu uma série de termos
gregos (filosóficos) na linguagem cristã." (p. 36)
- Através de alguns apologetas, que introduziram alguns termos filosóficos na fé cristã
originou-se uma incompatibilidade de ideias com a doutrina dos pensadores cristãos, e
também a heresia que "[...] forçou os cristãos a formularem dogmas, usando noções
filosóficas de essência, pessoa, substância, relações, etc." (p. 36)
-Uma das primeiras concepções que foram tidas como hereges, foi o gnosticismo, que "é uma
corrente filosófico-religiosa difusa que pretende superar tanto a crença como a filosofia para
chegar à gnose, ou seja, a um conhecimento superior, intuitivo, e unificante pela divindade."
(p. 36-37)
- "Os santos padres consideram o gnosticismo uma heresia, [...] viam nele a corrupção da
verdadeira fé, negando a Deus como criador e sua onipotência em relação ao mal. Mas o
gnosticismo não deixou de ser uma tentativa de filosofia cristã." (p. 38)
-"No tempo de Marco Aurélio [...], o Cristianismo já contava com adeptos capazes de lidar
com os pagãos com argumentos puramente racionais. É aí que aparece o problema do
relacionamento entre o Cristianismo e a Filosofia." (p. 38)
-Havia cristãos que estudavam a sabedoria e a literatura pagã, capazes de perceber as
qualidades e os defeitos. Apesar de não terem uma escola cristã, os pensadores mesmo
convivendo com o conhecimento pagão, já estavam convencidos na superioridade da Cruz
(S.Justino e Taciano).
-Quando se convertiam, os cristãos não renunciavam todo o saber pagão, mas combinavam as
verdades parciais dos filósofos com a verdade Cristã.
- "A partir do século IV, pensadores como Boécio, S. Agostinho, e Pseudo-Dionísio
conseguiram dar conteúdo cristão ao platonismo." (p. 39)
-Para São Justino, o logos, a razão eterna é a manifestação divina, que se fez carne em Cristo.
De acordo com o pensador, a razão que pode fazer com que os homens conseguissem
contemplar convenientes verdades religiosas antes que o Messias "clareasse" a verdade
absoluta."
- Clemente de Alexandria, de certa forma complementou a ideia de Justino, o pensador
gnóstico afirmava que "a filosofia preparou a humanidade para vinda de Cristo." (Strómata I,
5-28) "[...] A filosofia é o pedagogo que conduz à Cristo."
-Já para Agostinho de Hipona, "a fé e a razão convivem de maneira harmônica, numa estreita
relação. [...] Primeiro, segundo ele, a inteligência prepara para a fé; depois a fé dirige e
ilumina a inteligência. Finalmente a fé iluminada, iluminada pela inteligência, conduz ao
amor." (p. 40)
- "[...] A razão é um auxílio poderoso para encontrar, nas criaturas, semelhanças que
esclareçam e façam inteligível o conteúdo da fé." (p. 41)
-Boécio faz uma divisão significativa entre filosofia e teologia. Sua ideia a respeito do
conhecimento e sua lógica é profundamente influenciada por conceitos aristotélicos. Suas
obras representam uma grande miscigenação cultural em harmonia com fé e razão.
-Apesar de haver diversos cristãos que conciliavam o conhecimento pagão com a sabedoria
cristã, mas tal ponto de vista não era consenso entre os cristãos, por exemplo Tertuliano.
- "Segundo ele, para o cristão basta a fé: 'credo quia absurdum'. Cristianismo e filosofia são
duas coisas inconciliáveis. Por isso é tão absurdo um cristão filósofo como um filósofo
cristão." (p. 42)
-"No começo a Palavra (Verbo/Lógos) já existia:
a Palavra estava voltada para Deus,
e a Palavra era Deus." (Jo 1,1)
- "Por isso tanto o judaísmo quanto a filosofia são prelúdios ou anúncio fragmentário,
antecipação parcial da verdade que encontra plenitude no Cristianismo. Os filósofos, com
suas sombras e luzes, foram para o paganismo o que foram os profetas para os judeus. A
origem de toda luz é a mesma: o Verbo encarnado." (p. 43)
-"A filosofia contribui para ordenação e o aprofundamento da fé cristã, assumindo um papel
anciliar." (p. 44)